O lobo que há em nós


Sou um grande fã de resenhas, isso porque creio firmemente que resenhas bem escritas são as melhores formas de condensar e arquivar os conhecimentos, sentimentos e sensações que um livro nos proporciona após o termino do mesmo. Quando finalizo uma leitura e não faço qualquer tipo de documentação do que acabei de ler, fico com a sensação de que algo está incompleto em mim. Acredito que um dos meus principais problemas ao escrever matérias desse tipo é a falta de foco e de uma linha de raciocínio bem estabelecida, a situação se agrava quando o livro lido nos desconstrói e trata de tocar em pontos ressoantes em nós mesmos que buscamos sempre esconder muito bem.

Sou um grande fã de prêmios Nobel, mais especificamente de ganhadores relacionados à literatura. De todos os que já li: Hemingway, Faulkner, Sartre... Não consigo dizer que tenha me arrependido de nenhum. O caso volta a se repetir com o autor que trago agora: O alemão Hermann Hesse, Nobel da literatura de 1946, e seu livro O Lobo da Estepe.

“Era uma vez certo Harry, chamado Lobo da Estepe. Andava sobre duas pernas, usava roupas e era um homem, mas não obstante era também um lobo das estepes. Havia aprendido uma boa parte de tudo quanto as pessoas de bom entendimento podem aprender, e era bastante ponderado. O que não havia aprendido, entretanto, era o seguinte: estar contente consigo mesmo e com sua própria vida” Harry Haller é apresentado como o protagonista do livro, se analisarmos foneticamente, o nome nos remete muito a outro individuo: Hermann Hesse.

Não por acaso, Haller funciona como alter ego de Hesse neste livro. O protagonista é retratado como um homem de meia idade, intelectual, politizado, alcoólatra e com uma considerável estabilidade financeira que, por conta dela, não precisa trabalhar e assim submeter-se a cartilha de modelo de vida “burguês” que considera odiosa (e paradoxalmente sente apreço). Sempre imerso em livros e pensamentos existenciais complexos o personagem flutua entre arroubos de altruísmo e ondas de indiferença em meio à sociedade que o cerca, na verdade o desprezo que sente por si transborda para o mundo em que se encontra inserido, lembrando-me muito Raskólnikov de Dostoiévski.

No entanto Haller se vê ao longo do livro esmagado entre dois estilos de vida totalmente opostos, ao mesmo tempo em que tenta se encaixar em uma comodidade de um estilo de vida burguês procura desesperadamente estímulos sensoriais baixos e censuráveis, ausentes de qualquer tipo de “alma”. A partir dessa dualidade de caráter vemos surgir o Lobo e o Homem, devorando-se mutuamente pelo controle da casca oca que se tornou Haller e sua existência.

Após uma longa história Harry transcendeu tudo aquilo em que acreditava e que um dia lhe dera prazer (Poesia e Espiritismo), obteve renome e ganhou dinheiro, tendo passado por um caminho duro e até mesmo um casamento fracassado, as perguntas que restaram em sua vida eram por que? Para que? Uma vez formuladas as tão cruéis indagações em sua mente é impossível uma regressão, uma volta ao estado alienado e letárgico que se encontrava anteriormente, assim tem o inicio do inferno pessoal de Haller.

Tal introdução soa como algo muito forte, talvez porque seja mesmo. Ainda que forte não podemos dizer, de maneira alguma, que seja incomum e raro. Quantas vezes fomos a lugares que não nos diziam respeito com pessoas que não gostávamos e uma vez lá nos sentimos completamente idiotas? Nesses momentos, efetuando uma analogia com o livro, o Lobo ri do pobre Homem, que se rende a frivolidades dessa espécie e diz, a exemplo da obra: “Veja os macacos que somos! Veja o que é o homem!”. Em contraponto, quantas vezes nos rendemos a comportamentos autodestrutivos, visto a inexistência de sentidos inerentes à vida, e desejamos fugir para todo o conforto “burguês”.

Perdendo-se o propósito, Haller também perde a vontade de viver. Por entre as páginas a ansiedade que o leitor sofre por um iminente suicídio é palpável, porém no momento derradeiro, encontra o Teatro Mágico (só para os loucos) e posteriormente conhece Hermínia (nome outra vez muito sugestivo) sua antítese, ainda que a mesma possua uma profundidade de espírito comparável a de Haller. A partir desse momento vemos uma revolução na vida do protagonista, tendo Hermínia como força gravitacional para a redenção.

Se você possui dúvidas existenciais, leia este livro. Se você se sente sozinho em seus pensamentos, leia este livro. Se você acha-se soterrado na miséria que eventualmente sua vida se tornou, leia este livro. Não é propaganda, o livro em si funciona como uma auto-ajuda reversa, não nos socorre do ponto em que estagnamos e sim nos extingue para que possamos enxergar a vida e o mundo mais uma vez do zero. O livro, e a mensagem que ele tenta nos passar, não se trata de destruição e crise mas sim da libertação de um homem na busca por uma unidade/perfeição aparentemente inalcançável.

Ainda assim cabe um advertência antes da leitura: “Entrada ao preço da razão”.


Matheus Martins

Publicado em Literatura por Matheus Martins

Tal introdução soa como algo muito forte, talvez porque seja mesmo. Ainda que forte não podemos dizer, de maneira alguma, que seja incomum e raro. Quantas vezes fomos a lugares que não nos diziam respeito com pessoas que não gostávamos e uma vez lá nos sentimos completamente idiotas? Nesses momentos, efetuando uma analogia com o livro, o Lobo ri do pobre Homem, que se rende a frivolidades dessa espécie e diz, a exemplo da obra: “Veja os macacos que somos! Veja o que é o homem!”. Em contraponto, quantas vezes nos rendemos a comportamentos autodestrutivos, visto a inexistência de sentidos inerentes à vida, e desejamos fugir para todo o conforto “burguês”.