O mergulho da felicidade

Os primeiros dias da primavera têm sido confusos. Clima indefinido. Bem a cara dela. As flores vibrantes anunciam que estamos mais perto do verão. Só que o tempo continua gelado demais para chegar perto da água novamente. O jeito é ficar na beirada dessa piscina. No máximo, encostar a ponta dos dedos do pé na onda do mar que rebenta na areia da praia.

Não é fácil mergulhar em águas frias. Assim como não é tranquilo ficar muito tempo em águas quentes. Você não vai pular? Pula! Ah, mas você vai pular? Nossa, tem certeza disso? Haja coragem e fôlego nos pulmões para enfrentar o mundo e mergulhar por nós mesmos.

Dizem que os gatos têm medo da água por uma herança genética de seus ancestrais. A história conta que eles são descendentes de espécies selvagens que viviam em uma região desértica do Mediterrâneo. Uma terra seca e com pouca água. Por isso os animais dali aprenderam a não contar com esse recurso em seus dias. Depois disso, compreendi melhor os felinos. Quem unca teve, teme quando vê de perto. O pelo árido que recebe água, estala e arde. Na escassez de algo, colocamos em dúvida a abundância.

Se é complicado se jogar nas águas na primavera, repense. Difícil mesmo é aprender a mergulhar na felicidade. De cabeça. De barriga, De costas. De corpo inteiro. Isso, sim, exige um treinamento que a maioria de nós adia para depois. Somos mestres em desviar das alegrias da vida. Estamos profissionalizando o hábito e nem percebemos mais. Por medo de doer, perdemos algumas boas chances da felicidade nos refrescar. Por medo de afogar, boiamos sem snti-la no interior das águas. Por medo de sofrer, passamos longe da imensidão que ela traz na alma.

Eu, que vivo de mãos dadas com as analogias, fiquei misturando água com felicidade no liquidificador da imaginação. Saiu esse mergulho escrito para ajudar na sua hesitação. Se não quiser pular, tudo bem. Só não fique com esse olhar comprido em direção ao mar. Dê meia-volta e vá procurar suas terras áridas. Mais arrepiante que banho gelado é imaginar os que passam uma vida inteira experimentando a felicidade sem nunca imergir. Molham os pés. Sentem a temperatura da água com a ponta dos dedos. Perguntam aos outros se está quente ou frio e nada de pular. Nada de se jogar em direção ao que pode transformar seus dias para sempre.

Não parece ser justo com ninguém ficar na beirada de nada. À margem de nós mesmos. É no mergulho das águas que a temperatura da felicidade se revela. E ela estala e cura.

Thaís Ferreira Gattás

thaisferreiragattas@gmail.com

Fonte: Revista "Plural" do jornal Notícias do Dia.

 Dê meia-volta e vá procurar suas terras áridas. Mais arrepiante que banho gelado é imaginar os que passam uma vida inteira experimentando a felicidade sem nunca imergir.