A banalização dos impulsos altruístas

A depressão mergulha no eu e a humanidade mergulha no todo… este é um ponto importante. A razão, se esta tem desconexão com o sentir, gera a razão árida e fria, aquela que justifica a falta de humanidade, é a razão puramente intelectual, desconectada do coração, que justifica as atrocidades e a indiferença com o outro ser humano, sendo que, necessariamente, o caminho de desenvolvimento e realização da alma humana é o serviço em prol do bem maior, dos grandes desígnios da humanidade.

Muitos sequer percebem sua falta de humanidade, justificam intelectualmente as necessidades que levam às suas tomadas de decisão, mesmo que elas causem sofrimento ao próximo, pois é indiferente, eles não sentem mais compaixão ou pouco sentem, como se estivessem anestesiados. Lógico que cada um age de acordo com suas possibilidades e nível de consciência, mas se existem forças atuando em direção a este ressecamento da alma, dessa atrofiação do coração, e elas podem e devem ser confrontadas como sugere a Época de Micael: que o espiritual se torne atuante nas ações. Este é um aspecto levantado por Steiner a um século atrás – pontualmente…

Uma das formas de remover a humanidade do ser é tirar a esperança e incutir o medo, criar um mecanismo que faça as pessoas focarem na sobrevivência e conquistas materiais… (desculpe mas eu tenho que sobreviver, tenho contas a pagar e filhos para alimentar) além de focalizar a vontade nos aspectos inferiores do ser humano: paixões, instintos e desejos – que passam a ser seus sonhos e ideais. Um aspecto relevante é que estamos na Alma da Consciência, uma época onde somos impulsionados a tomar a própria consciência, nos libertarmos dos padrões e mentes coletivas em direção ao pensar próprio e autônomo, à individualidade, à autenticidade do ser. Portanto, é compreensivo que estejamos numa fase mais egocêntrica, pois o ego força minha percepção para o EU, me separando do todo em direção à autopercepção. Tendo ciência disso, pode-se criar um ambiente social que force a ação em direção a auto-satisfação, a busca em saciar as paixões e desejos materiais além dos princípios básicos de sobrevivência… aliado a um padrão rítmico saturado – não tenho nem tempo pra pensar em mim mesmo e na minha família, imagina nos outros…

Sobre acreditar que em algum lugar há dinheiro para todos, que cada um pode fazer o que bem quer, que o mundo será bom com todos e que todos são bonzinhos: ninguém acredita nisso, porque é isso é uma inverdade, talvez possa ser uma justificativa utilizada na forma de generalização para invalidar um esforço em prol da dignidade dos menos favorecidos, dos que têm outras escolhas ou outras ideologias, ou até mesmo aos que estão perdidos – na desesperança, no medo ou na ganância.

Não tem dinheiro para todos, mas existe um mecanismo de favorecimento para alguns privilegiados e um caminho anterior do qual nos encontramos em situação mais ou menos favorável… que tem que ser relevado (salvo exceções logicamente). Em ambos os casos existe ou uma imoralidade, por ter privilégios e não uma equanimidade ou uma falta de humanidade, por não se preocupar com a quem não teve a “sorte” de nascer em situação favorável. Isso seria falta de nobreza de espírito.

Cada um pode fazer o que bem quer? Não, existe um espaço individual baseado no respeito ao próximo, suas escolhas e liberdade. Mas quais escolhas e impulsos pessoais podem ou merecem ter um reconhecimento ou mesmo florescer numa vida digna? Elas são definidas por quem? (Se vai de encontro as minhas escolhas pessoais, as defendo, se não, pouco me importa a liberdade do outro, ele que escolheu um caminho errado… mais uma vez fica evidente a falta de humanidade e amor ao próximo, lembrando que estou falando nas escolhas baseadas no respeito, espaço individual e liberdade).

Todos são bonzinhos? Obviamente que não são, é perceptivo e todos sabem disso também, é unânime, mas as pessoas preferem colocar dessa forma para banalizar certos impulsos altruístas, porque a essência é trazer consciência, noção de respeito e amor ao próximo, liberdade e dignidade: como posso criar um ambiente propício para que essas qualidades floresçam no coração humano? E estou falando daqueles que não as possuem… e que são muitos.

Seriam todos descartáveis? Apenas os puros de coração não o seriam? Mas quem é realmente puro de coração? Ou será que o amor no coração é uma qualidade irrelevante porque não dá lucro? Lucro pra quem? É o pensar humano x o pensar econômico: quem é você nesse contexto?


Leonardo Maia
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