A beleza de ser vulnerável

São muitas as coisas que escutamos por aí. Basta nascer para que isso aconteça. Lá no ventre, talvez, seja possível sentir uma palpitação do que está por vir: naquelas rápidas batidas do coração. Não é à toa que leva tempo para nos acostumarmos com a ideia de vir ao mundo. Ainda bem que temos, por nove meses, uma montanha entre nós e o mundo para nos proteger.

Quando chega a hora, nascemos iguais: vulneráveis. Pena é que esquecemos disso. Crescemos nas diferenças e nos adulteramos com facilidade. Mal abrimos os olhos e lá vem a chuva de opiniões: da hora que devemos engatinhar à hora de amar. Incontroláveis sugestões. Palpites em série. 

Pitacos a qualquer hora do dia. Até em feriados cristãos. Diante do bombardeio que encurrala, é natural procurarmos algo que nos defenda. Quem sabe uma máscara, você pensa. Um escudo, talvez.

Quando descobrimos no dicionário o significado de vulnerabilidade, levamos um susto: tão frágil que pode ser ferido ou ofendido. Nem pensar ser alguém assim, você pensa. Presa fácil. Os anos passam. Ingenuidade passa a ser palavrão. 

Entre achismos e conselhos, logo perdemos a conta de tudo que precisamos ser aos olhos dos outros. E você passa a andar com a falsa certeza de que ser forte é viver mascarado por dentro e por fora. Para sobreviver, sabe. 

Sem a montanha, você se protege do jeito que pode. Nas roupas. Nas tatuagens. No pingente de figa. Na oração do santinho na carteira. No sal grosso que carrga dentro da bolsa. No jeito durão de ser. Sem a montanha, você se mostra indestrutível determinando quem entra e quem sai da sua vida.

Sem perceber, aperfeiçoa a arte de ser muralha e afia a espada com uma destreza medieval. Levanta o escudo no automático e mal percebe que passou a atacar além de se defender. Vive em competição sem se dar conta. Para sobreviver, sabe.

Até que chega o dia em que a ficha cai: escondido, ninguém consegue enxergar quem é você. Sobrevivente e solitário. Se não sente o que dói, não vivencia o que faz bem. Se não se arrisca no que teme, passa longe da alegria que motiva.. Se não se entrega, passa batido das verdadeiras emoções. Se resiste ao aprendizado, repete o que tanto recrimina nos outros. Se sobrevive na desconfiança, perde a chamce de viver a vida que veio viver.

Perto da montanha, o sol nascia encharcando o céu de tons luminosos. O nascer era bonito e parecia uma oração. Era vulnerável como a natureza de todos nós. 

Ser frágil é tocar na vida à flor da pele. Ser fraco é outra coisa. Ser sensível é se comover com o que acontece. Ser trouxa é outra coisa. 

Nascer despido é um lembrete da vida: conviver com a vulnerabilidade é caminhar desarmado, enfrentar o inesperado e respirar maravilhado com o que pode acontecer.

Thais Ferreira Gattás

 

E-mail: thaisferreiragattas@gmail.com