A despedida do guerreiro do bem

 

Estava satisfeito com os seus feitos, consigo mesmo, agradecido a todos que o ajudaram ao longo das jornadas. Agradecido ao Senhor Altíssimo e a todas as suas criaturas.

Havia adiado por demais a hora da partida, mas agora não dava mais. Mandou chamar todos os seus filhos e filhas espalhados pelas longas planícies e altíssimos montes.

Os seus cabelos não eram todos brancos, alguns insistiam em se manterem na cor do nascimento. Todavia, todos portavam as marcas do tempo.

Suas mãos eram garras, mas agora impróprias à guerra. Não haveriam mais como participar de qualquer outra guerra, com o mesmo vigor das tantas e tantas vencidas e perdidas.

Não tinha só histórias de vitórias a serem contadas. Aliás, gostava mais de relembrar as perdidas. Foram com elas que aprendera mais. As vencidas, curtia em silêncio.

Pernas que gostavam de correrem nuas ao sabor do vento, não mais se alegravam com o convite. Preferiam a quietude do nada fazer. Juntinhas se aquecendo mutuamente.

O olhar mantinha a vivacidade, mas não escondia a tristeza de não ter visto tudo que precisava ver. Sempre achou que precisava ver mais do que tinha já visto.  Faltara-lhe a atenção à luz dos relâmpagos.

Os ouvidos possuíam igual tristeza. Queriam ter audição mais do que possuíram. Ter mais escuta para o que o outro tentara transmitir. Faltara-lhe a atenção ao som dos trovões. 

Chamou os filhos e assim falou: Não chorem pela minha partida, pois só vou na hora que me for permitido. Se desejarem chorar, façam por vocês mesmos. Curtam o luto pelo que perderam e depois vivam a vida como se nada tivessem perdido.

Chamou a bem amada e lhe falou com a ternura de sempre: Para onde eu vou não estarei lhe esperando, mas não se magoe por isso. Sua vida é aqui e não lá. Viva plenamente no lugar em que  você está e não a onde pensa que deveria. Amo sua presença, seu olhar, seu carinho infinito, sua paciência para comigo. Mas, nada disso justifica a renúncia ao que a vida de bom e belo irá lhe oferecer daqui para frente.

Beijou-a como sempre o fazia e não mais disse uma única palavra.

 

Moral da História: Faça da sua vida um ato de libertação. Nada faça esperando recompensas ou reconhecimentos. Cumpra com a missão que escolheu realizar e parta sem deixar prisões aos que ficam. 

* Hiran de Melo
Melquisedec, ao Vale do Mirante, nos dias vinte dias do mês de outubro do ano 2014 da Luz do Cristo.