A epidemia da indiferença

Hoje vivemos um tempo de empobrecimento da empatia, solidariedade, altruísmo, compassividade e do amor ao próximo. Existe uma febre das relações de interesse: a valorização do outro ser humano tem relação direta com o que pode me trazer de benefício. A falta de compaixão e empatia surge da falta da percepção real do outro ser humano e do excesso de centramento em si mesmo (egocentrismo), falta de contato com a alma alheia, do calor humano nas relações e no coração…

O pode estar contribuindo para essa epidemia de indiferença?

 

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A falta de compaixão e empatia surge da falta da percepção real do outro ser humano e do excesso de centramento em si mesmo (egocentrismo), falta de contato com a alma alheia, do calor humano nas relações e no coração…

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ENCARCERAMENTO POR EXCESSO DE VIOLÊNCIA NAS RUAS

Um clima urbano de medo e desconfiança, alimentado por um ambiente social desfavorável de grande desigualdade social que potencializa a marginalização que acaba encarcerando as pessoas dentro de suas residências e dentro de si próprias, pois desconfiar e temer passa a ser questão de sobrevivência e de grande prioridade – obviamente isto distancia o ser humano do contato anímico e do sentimento de empatia. Estudo diz que a maioria das crianças em centros urbanos estão passando mais de 90% do tempo em ambientes fechados.

 

EXCESSO DE OBRIGAÇÕES

 

Jornadas de trabalho de 8 a 12 horas diárias, dificuldade de acessabilidade – perco muito tempo em cada tarefa devido ao trânsito, burocracia em relação aos deveres de cidadão torna a percepção de tempo curta e não sobra tempo para aprofundar minhas relações com o próximo, ou mesmo me preocupar com ele, cada um com seus problemas… já tenho muitos problemas pra resolver.

 

ROTINAS MECANIZADAS

 

Se manter em uma rotina constante que acaba automatizando minha forma de agir acaba amortecendo e cristalizando minha percepção e forma de agir e pensar. Isso acaba me tornando indiferente aos contextos fora da minha “caixa” de procedimentos e incapaz de atuar fora de padrões determinados pela rotina. Também enfraquece minha presença de espírito – mecanizando o indivíduo e dificultando a adaptação a novos contextos e situações. Em relação a empatia, essa falta de presença do EU amortece os sentidos, inclusive em relação ao próximo – me torno indiferente e frio.

 

EXCLUSIVA TEORIZAÇÃO NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM EM CONTRAPOSIÇÃO A EXPERIMENTAÇÃO

 

Todo o processo escolar se fundamenta na aquisição de conhecimento num processo teórico e intelectual, onde as vivências se tornam mínimas neste processo. Isto acaba gerando a cultura teorização, onde tudo se sabe na teoria. Também ocorre a intelectualização dos processos anímicos distanciando a percepção do coração, trazendo uma tendência a impessoalidade, por exemplo: esses imigrantes ocupam vagas que poderiam estar sendo ocupadas por cidadãos do meu país, esses mendigos desvalorizam a minha cidade – precisamos de uma higienização social e etc… (quem são os seres humanos por trás desses rótulos? Não interessa, está provado que se eles não existissem a situação econômica e social estaria melhor).

 

CULTURA DA COMPETIÇÃO

 

O próprio nome já diz, se estou competindo, o outro se torna meu adversário onde preciso superá-lo. Preciso ser melhor do que outro em inúmeros aspectos, pois só assim serei valorizado no meu trabalho, na escola, no círculo social, no campo de relacionamentos e etc… Isto também contribui para a falta de empatia e compassividade com o próximo.

 

VIRTUALIZAÇÃO DO CÍRCULO SOCIAL

 

Tenho mais contato com pessoas virtuais do que reais. Isto também contribui para o aumento da impessoalidade, basta perceber como existem discursos de ódio e violência nas redes sociais, pois como não me importo muito com as pessoas, também acredito que elas não se importam comigo… sou apenas mais um e me dedico apenas a construir relações supercifiais com grupos que autentiquem minhas crenças e ideias, não por valorizar os indivíduos, mas por necessidade de autoafirmação.

 

SUPERFICIALIZAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS ÍNTIMOS

 

Questão bem complexa, mas de fácil percepção. Existe uma forte erotização no mundo, o que gera um movimento de intensificação dos desejos físicos. O que acontece é que, devido à etapa de desenvolvimento do ser humano, o egoísmo contemporâneo – natural do processo de individualização, onde eu busco uma relação que supra as minhas expectativas, pode nos levar a ter relacionamentos superficiais, apenas eróticos, sem o encontro verdadeiro entre as almas. Busco apenas suprir as minhas necessidades sexuais… após isso, as pessoas se tornam descartáveis, realmente não me importam mais…

 

ABSTENÇÃO DE CONTATO COM A NATUREZA E DE RELAÇÕES REAIS ENTRE AS PESSOAS

 

A percepção real das coisas vem da vivência e não apenas da concepção intelectual do objeto ou processo. Neste ambiente urbano, onde quase não temos contato com a natureza viva, onde as relações entre as pessoas, até mesmo dentro da pequena família, são escassas e se tornam mais frias e conceituais. Nos relacionamos mais no universo virtual e o calor humano se torna jóia rara e prevalece uma relação de formalidades entre as pessoas, culminando num moralismo intelectual e perda na autenticidade, liberdade e da empatia para com o próximo. O valor do outro passa a ser mais relacionado a títulos e diplomas, além das posses e imagem social (máscara social). Os verdadeiros valores humanos estão mais escondidos e abafados e isso distorce a verdadeira imagem dos indivíduos.

 

TERCEIRIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

 

Outro aspecto importante e muito disseminado e a terceirização da responsabilidade. Sempre existe uma justificativa ou culpado para todas as minhas dificuldades e erros:

– A culpa é da minha mãe que me criou errado, do meu pai que sumiu quando eu era criança. Então eu sou assim e pronto: culpa deles.

– Culpa da minha ex mulher que não quis cuidar das crianças e ser uma boa mãe – mesmo eu não ajudando nada na criação deles, afinal eu pago as contas.

– Culpa do patriarcado que coloca na cabeça dos meninos para pularem de um relacionamento para o outro – eu exijo que as minhas expectativas do papel do homem sejam cumpridas, mas quero a liberdade para fazer o que eu quiser.

– Quero me sentir desejado(a) e não sou por culpa do padrão opressor de beleza imposto na sociedade – mesmo eu comendo besteira o tempo todo e estando acima do peso…

Entre muitos outros contextos… basta olhar na internet e ver publicações de auto-ajuda que na verdade são mais utilizadas como justificativas e terceirização da responsabilidade do que acontece comigo e de todas as minhas dificuldades. Isto não só dificulta o caminho do autodesenvolvimento – pois não tenho que buscar ser uma pessoas melhor, são eles que são culpados por tudo, como também cria uma corrente de mágoa e angústia para com pessoas e grupos que pode chegar ao ódio, como percebemos em muitos movimentos coletivos existentes hoje em dia.

 

Bom, é perceptivo que estamos nos distanciando das relações reais com o mundo e com as pessoas. Todo um contexto contemporâneo tem contribuído para um caminho de excesso de racionalização e uma mecanização das relações humanas.

 

Leonardo Maia

 

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