A Espada Flamejante: Entre o Mito do Éden e o Simbolismo Maçônico
Entre os símbolos mais enigmáticos que ornamentam os templos maçônicos, poucos despertam tanto fascínio quanto a espada flamejante. De origem controversa e de evolução simbólica complexa, essa arma de lâmina ondulada carrega consigo ecos do Éden bíblico, tradições cavalheirescas e a teatralidade dos rituais modernos. Mas de onde realmente vem esse objeto que hoje se impõe com autoridade no Oriente das Lojas?
Das "Flamberges" ao Oriente Maçônico
A forma ondulada da espada flamejante remete às chamadas flamberges, espadas de duas mãos que surgiram na Europa durante o Renascimento. Essas espadas não eram meramente decorativas: sua lâmina ondulante visava destabilizar as defesas do adversário, vibrando intensamente ao contato. Uma dessas armas é empunhada por Renaud de Montauban, herói da épica "Chanson de Geste", texto querido por estudiosos da fundação do Grau de Mestre Maçom. No entanto, há aqui mais mito do que tradição ritual.
Curiosamente, os primeiros rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito não faziam menção à espada flamejante. Ela só aparece tardiamente, em 1860, no ladrilhador maçônico descrito por Jean-Marie Ragon. Mas a sua presença simbólica já era percebida antes disso.
A Espada do Estado e a Influência Inglesa
Uma gravura do Regulador do Maçom, relativa ao terceiro grau do rito francês dos Modernos, exibe a espada flamejante. Esta referência visual sugere uma tradição inglesa: a chamada Sword of State, ou "Espada do Estado", símbolo da autoridade real britânica. No entanto, a espada oficial do rei não era ondulada nem "flamejante" em forma. Surge então a dúvida: de onde vem essa peculiaridade na lâmina?
A resposta pode estar na simbologia. Em 1729, o Vice-Grão-Mestre Nathaniel Blackerby compôs uma canção que traz um verso revelador, citado por Shawn Eyer em A Dissertation on Masonry (1734):
"E amaldiçoaremos a Era com a espada flamejante/ Que impede que ouvidos curiosos alcancem as Palavras do Maçom."
Nesse contexto, a espada flamejante é claramente simbólica, evocando o relato bíblico de Gênesis 3:24, onde uma espada em chamas é colocada para guardar a entrada do Jardim do Éden após a queda de Adão. Ela torna-se, então, um símbolo de proteção, separação do sagrado e defesa do segredo.
O Protesto de Dermott e a Consolidação do Símbolo
A difusão da espada flamejante como objeto ritualístico pode ser datada com mais precisão a partir do testemunho de Laurence Dermott. Em 1764, no Ahiman Rezon, ele expressa sua indignação ao relatar o uso excessivamente decorativo da espada numa Loja em Wapping:
"Há agora em meus aposentos uma grande peça de ferro, ornamentada com folhagens, pintada e dourada [...] com uma espada gigantesca fixada nela, durante a Comunicação aos membros [...] algo contrário a todas as regras públicas e privadas da Maçonaria."
Mesmo com sua desaprovação, o efeito simbólico e estético da espada flamejante foi tão marcante que muitas Lojas passaram a adotá-la. A representação desse uso pode ser vista no Ars Quatuor Coronatorum nº 6, de 1893, documento clássico do mais importante grupo de pesquisa maçônica do mundo.
A Espada como Guardiã do Mistério
A permanência da espada flamejante no Oriente das Lojas contemporâneas revela não apenas a influência de mitos bíblicos e tradições guerreiras, mas também sua força simbólica enquanto instrumento de vigilância, proteção e delimitação do espaço sagrado. Ela marca o limiar entre o profano e o iniciático, entre o mundo da ilusão e o do conhecimento.
Em suma, a espada flamejante na Maçonaria é mais do que um adorno ritual: é um elo entre narrativas antigas e práticas modernas, símbolo do poder espiritual que vela os mistérios da Arte Real.
Pesquisa e Edição: Luiz Sérgio Castro