A história sem fim: o nada está conseguindo destruir fantasia?

A História Sem Fim (Wolfgang Petersen - 1984), baseada no romance de Michael Ende (1979), é um filme de fantasia que conta a história de Bastian (Barret Oliver), um menino que adora sonhar acordado e usa a imaginação como fuga de seus problemas. Ele perdera recentemente a mãe e por isso o pai, ao perceber a constante ausência do menino em relação ao mundo real, pede que ele pare de fantasiar coisas o tempo todo e mantenha os pés no chão. Ao entrar em uma livraria para se esconder de alguns meninos que costumavam praticar bullyng contra ele, Bastian se depara com um livro intitulado The NeverEnding Story (A História Sem Fim). Diante da interessante e irresistível observação do dono da livraria sobre aquela obra, o menino sai fugido dali, levando o livro emprestado. O que Bastian não poderia imaginar é que ao ler aquela história seria tão fisgado por ela a ponto de ele próprio fazer parte da trama e acabar se tornando um personagem decisivo. Ele sofre juntamente com Atreyu (Noah Hathaway), guerreiro do povo das planícies, quando este sai pelo mundo de Fantasia em busca de uma cura para a Imperatriz. Caso não consiga ter sucesso na missão, o Nada, uma espécie de destruição natural – tempestade e furacão, acabará por completo com o reino de Fantasia.

O ponto x da questão é que Fantasia é alimentada pela imaginação de todas as crianças humanas. Porém, cada vez menos as crianças acreditam no mundo do impossível e em personagens encantados, o que está levando aquele reino a sofrer danos de tal maneira que pode vir a desaparecer para sempre juntamente com todos os seus habitantes. É interessante observar que uma obra dos anos 80 nos traga uma reflexão tão atual. Cada vez mais as crianças estão se distanciando do mundo da imaginação, da crença nos sonhos e no impossível e se tornando seres questionadores e descrentes daquilo que outrora lhes fascinava por completo. Para muitas, personagens como Papai Noel, fadinhas e duendes são inclusive motivo de chacota. A fantasia está cada vez mais cedo dando lugar à realidade e o que poderia ser uma maravilhosa fábrica de sonhos está, pouco a pouco, desaparecendo. Assim como na História Sem Fim, Fantasia está sendo destruída, só que de verdade.

E de quem seria a culpa? Queremos filhos muito inteligentes e, por isso, desde muito cedo os inundamos com diferentes fontes e formas de informação. Estímulos tecnológicos, aulas disso, daquilo e o tempo deles vai sendo todo preenchido com uma agenda lotada e capaz de dar inveja a qualquer adulto. O resultado? Quase não sobra tempo para brincar, imagine para sonhar ou crer em personagens que logo lhes tornarão motivo de piada diante dos colegas. Nossas crianças estão mesmo tendo a chance de serem crianças? A inocência e a crença no impossível deveriam fazer parte da infância, mas estão sendo substituídas pelo pensamento crítico e pelo amadurecimento precoce. Porém, pular as etapas da vida nunca foi algo saudável. Não devemos subestimar a inteligência de nossos pequenos, mas também não podemos romper o encanto do dragão da sorte, do caracol de corrida, do morcego preguiçoso e de tantos outros personagens que dependem de nós para sobreviver na memória infantil. Do contrário, o Nada (leia-se racionalidade) devastará por completo a verdadeira fantasia.

BIA LOPES

Autora do blog Conversa de Gente Fina e do Livro Incondicional. Publicitária e escorpiana, não necessariamente nessa ordem. Coleciono paixões, as maiores delas pela escrita, música e cinema. Inquieta por natureza e sonhadora incorrigível. De passagem por este mundo, tentando, aprendendo, vivendo.

É interessante observar que uma obra dos anos 80 nos traga uma reflexão tão atual. Cada vez mais as crianças estão se distanciando do mundo da imaginação, da crença nos sonhos e se tornando seres questionadores e descrentes daquilo que outrora lhes fascinava por completo. Mas de quem seria a culpa?