A Liberdade de consciência
Em simples termos, A concepção de Consciência, na Antiguidade, era compreendida apenas como a percepção de faculdades e atos do sujeito, desvinculada da noção de existência de uma dimensão interior do ser humano.
No mesmo período, a Liberdade era tida tão somente como um atributo que possibilitava ao indivíduo a percepção de seus atos enquanto os praticava, desvinculada, também, das noções de autoconhecimento e autoavaliação.
A noção de consciência é introduzida com o advento do Cristianismo, que passa a compreendê-la como uma das dimensões internas do ser humano.
São Paulo, em seus diversos escritos, apela para a consciência dos destinatários para que sigam a lei divina e abandonem os erros. Santo Agostinho também menciona as batalhas que o homem enfrenta consigo mesmo para decidir sobre as atitudes a serem tomadas, usando como exemplo o bem e o mal.
Este contexto religioso teve grande importância para a introdução da ideia de liberdade como livre arbítrio. Tal pensamento permitia a percepção de escolha pelo sujeito, não existente na Antiguidade. Este pensamento, que possibilitava ao sujeito conhecer a regra e permitir à sua consciência a decisão de aderir ou não a ela, ainda estava distante do conceito moderno de Liberdade, como aponta Ramos de Jesus, citando Henrique Claudio de Lima:
"Esta nova noção foi fundamental para a ideia de liberdade como livre arbítrio, pois permitiu perceber a liberdade como atributo da vontade livre, relação ausente no conceito antigo. Ainda assim, o conceito moderno estava distante, porque tudo que a consciência legava ao indivíduo era a possibilidade de aderir ou não a uma regra que já estava dada.
A consciência permite ao homem ver os dois lados de uma questão, permitindo-lhe fazer uma análise sobre as decisões a serem tomadas: o certo e errado, de acordo com seus conceitos, religião ou regras a serem cumpridas. A consciência o faz refletir sobre as consequências de suas decisões.
Aqui se estriba a liberdade de consciência moderna, cuja grande inovação foi permitir que o homem não apenas pudesse querer algo sem poder, mas também definisse o âmbito do permitido e do proibido.
O exemplo histórico mais significativo desta alteração foi a Reforma Protestante, em que Lutero e seus seguidores defenderam que o ser humano não necessitava da intermediação de uma instituição terrena para acessar a vontade de Deus.
A consciência passou a ser considerada faculdade suficiente para o homem descobrir as normas divinas. Elas já estavam, de certa forma, dentro do Homem, não eram mais algo externo a ele. Melhor do que seguir algo que vinha de fora era o indivíduo seguir sua convicção. Esta ideia é presente na ciência política até hoje".
Como se verifica pela própria evolução da compreensão de Consciência, esta passou da simples possibilidade de análise de fatos exteriores para o âmbito da análise interior, baseada nos valores adquiridos pelos próprios indivíduos.
Assim, a consciência passou a ser norte de orientação, como forma de lei interna, baseada na construção do próprio eu, que além de uma determinação externa, passa a compreender uma determinação sua, interna, de julgamento de fatos e atos, que ajudará a tomar ações, a definir passos, a fazer opções.
Uma das características centrais da Modernidade é a crença de que o ser humano é capaz, através da Razão, de chegar a proposições éticas válidas. Ele é o árbitro de sua vida e não quaisquer outras pessoas ou instituições. Portanto, não deve se submeter a nada que não seja sua convicção. Esta ideia é fundada na liberdade de consciência. Ela consiste não apenas em pensar qualquer coisa sem sofrer nenhum tipo de coação, porque os pensamentos são livres e um ser humano, mesmo vivendo sob opressão constante, é capaz de exercitar a liberdade de pensamento; mas, principalmente, seu núcleo reside na possibilidade do ser humano ser capaz de reger sua própria conduta apenas segundo a sua própria convicção, segundo as regras que ele mesmo define para si como valiosas e corretas.
Assim, a Liberdade de Consciência, que funda a noção moderna de Liberdade, dá um passo adiante da Liberdade compreendida apenas segundo a noção de livre arbítrio:
O ser humano pode não só querer algo diferente, como também é capaz de decidir entre o que pode e o que não pode.
A distinção é aguda, pois anteriormente as normas morais eram externas ao sujeito, provenientes da religião, das instituições ou de outra esfera superior, cabendo ao agente apenas a decisão de respeitá-las ou infringi-las.
A partir da Modernidade, as normas morais passam a ser ditadas pela própria convicção do sujeito. É ele quem define suas regras e escolhe acatá-las ou negá-las. Dada esta dimensão ampla da liberdade moderna, em que a convicção individual dita as normas a serem seguidas, advém uma questão complexa e de difícil solução:
Como o indivíduo moderno conseguirá viver em comunidade?
Se cada qual tem o direito de seguir apenas sua consciência, fazendo suas decisões prevalecerem sobre determinações heterônomas, como será possível a vida em comum, sem que a sociedade se transforme numa anarquia?
Hannah Arendt preocupa-se com esta questão. Para ela, o ideal da liberdade moderna tornou-se "a soberania, o ideal de um livre arbítrio, independente dos outros e prevalecendo sobre eles."
O Homem moderno quer ser livre sem os outros; quer que a concretização de sua vontade não encontre quaisquer limites e que os outros cedam ao seu arbítrio. Ele não percebe, diz Hannah Arendt, que a liberdade só é possível no espaço entre os homens, que o indivíduo só é livre porque e enquanto está entre os seus semelhantes (inter homines esse);
Pensando em situações práticas, de que vale a liberdade de expressão se ninguém ouve ou lê o que é dito? De que adianta a liberdade política, se não há ninguém para concordar ou discordar das ideias?
Ela mostra que o Homem não seria livre numa ilha deserta, mas postula que os modernos gostariam de agir como se estivessem em uma – e isso, paradoxalmente, em nome da Liberdade.
Conclusão
Este trabalho destacou historicamente as noções de Liberdade de Consciência. Primeiramente entendida como uma forma de autopercepção, evoluindo para a ideia de livre-arbítrio, mas atrelado às normas da religião e/ou das instituições, até chegar à compreensão atual, trazida pela Modernidade, que centralizou a vida ética em cada ser humano, de forma que o sujeito seja capaz não apenas de respeitar ou desrespeitar as normas dadas, mas, principalmente, de criar as novas normas que orientarão sua conduta. Na mesma linha a Consciência, compreendida como atributo da Razão, passa a ser a garantia de que a Liberdade será bem dirigida.
Esta concepção de liberdade é a matriz da visão hodierna do tema e do problema da coordenação das esferas de autonomias individuais.
O individualismo acentuado em que tal concepção pode degenerar, a ponto de tornar insuportável a vida coletiva, é objeto de constante preocupação para a Filosofia.
A Liberdade, entendida como Liberdade de Consciência, abriu e abre possibilidades inéditas para o pleno desenvolvimento do ser humano, ao mesmo tempo em que traz consigo perigos também inéditos.
Bibliografia
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FERRAZ. Estudos de Filosofia do Direito. São Paulo. 2003
PUFENDORF. The Two Books on the Duty of Man and Citizen According to Natural Law. New York. 1964
Paulo César Fiuza Lima
Loja Regeneração Catarinense n° 138
Fonte: JB News – Informativo nr. 2.113.