A Maçonaria ainda é relevante?

A questão sobre se a Maçonaria ainda é relevante na nossa sociedade em constante mutação é frequentemente colocada em fóruns maçónicos e por profanos.

Isso indica que é de importância à maioria dos Irmãos. Além disso, a questão é frequentemente colocada quando se discute as condições nas quais as nossas Lojas estão actualmente, talvez até mesmo um desespero ante o que parece ser o futuro da Maçonaria. Na minha opinião, esse é um aspecto um tanto limitado de “relevância,” isto é, a habilidade de contribuir positivamente à solução dos problemas ou entraves defrontados pela Maçonaria e pelos Irmãos, como tais, nas suas vidas diárias.

O dicionário Webster define “relevante” como: “Etimologia: Latim medieval “relevant” -, do latim, particípio presente de “revelare” alçar. 1. Ter suporte significativo e demonstrável no assunto em questão 2. Suprir evidências tencionando provar ou desaprovar qualquer assunto em debate ou sob discussão 3. Ter relevância social 4. A qualidade ou estado de ser relevante; pertinência; aplicabilidade.

Para os propósitos deste trabalho, eu enfatizaria as últimas duas definições. Apesar de tudo, queremos certificar-nos de que o que fazemos vale os nossos esforços!

Tentarei lidar com essa questão principalmente nos seus aspectos morais. No entanto, seria quase impossível apresentar um tratado completo num artigo. Uma discussão completa necessita provas de toda alegação ou opinião, o que está para além do âmbito das presentes reflexões. O que permanece é um esforço para apontar brevemente diversos ângulos possíveis de “relevância” e deixar para os leitores o desenvolvimento destas questões.

Quando discutimos a “relevância” nas nossas vidas como maçons, devemos distinguir entre quatro aspectos principais:

  1. a Maçonaria é relevante para minha vida diária?
  2. outras pessoas consideram o facto de eu ser maçon como afectando as minhas atitudes e acções, o que prova a sua relevância para mim?
  3. tem a Maçonaria, como uma organização, qualquer relevância nas sociedades actuais, da forma como ela existe?
  4. a sociedade considera o nosso corpo maçónico como relevante para resolver os problemas presentes ou futuros da sociedade humana?

No texto que se segue, tentarei lidar apenas com o primeiro aspecto acima. Parece-me que o que as outras pessoas pensam acerca de nós como maçons ou da nossa organização não causa dúvidas sobre a nossa relevância entre Irmãos. Somos nós quem temos de nos convencer de que pertencer à Maçonaria tem valor para nós, como indivíduos.

A maioria de nós defrontamo-nos com expressões de dúvida ou mesmo de ridículo quanto à Maçonaria. Às vezes, podemos também duvidar da relevância de nosso Ofício Antigo face à nossa célere e mutante sociedade. Quando usamos a frase “um peculiar sistema de moralidade,” avaliamos os ensinamentos morais do nosso sistema como relevantes para as nossas vidas e para os julgamentos morais que temos de fazer, ou é tudo “passeé”? Para responder a estas questões, devemos voltar aos nossos ancestrais, que se encontravam para espiritualizar ou moralizar, como costumavam chamar ao seu filosofar. É importante que façamos quatro perguntas a nós mesmos:

  1. a necessidade de socializar do homem com os outros mudou?
  2. a necessidade de sentimentos fraternais próximos cedeu completamente o seu lugar à necessidade apenas de conquistas pessoais? 
  3. a necessidade de se discutir ou ponderar sobre questões morais deixou de existir? 
  4. todas estas mudanças necessitam de uma alteração dos nossos princípios morais? 

Vamos tentar examinar estas quatro questões:

a) A necessidade do homem de socializar – Quanto à primeira pergunta, espero que concordem comigo que a necessidade do homem de socializar certamente não desapareceu. Os motivos podem ter mudado, talvez os propósitos para socializar com os outros também sirvam para outros fins, mas a necessidade real do indivíduo ainda existe. O homem continua um “animal social” e, a despeito dos meios de comunicação modernos, ainda precisamos de contacto humano directo.

Ao mesmo tempo, devemos entender que as implicações da ênfase de sermos uma Fraternidade, de retermos relações fraternais. Sem uma longa discussão de significados sociológicos, pode-se seguramente dizer que tal relacionamento é baseado num laço emocional. Jaz na esfera das inter-relações familiares e apenas pode existir quando há envolvimento pessoal. Quando encontramos um estranho pela primeira vez, todos sabemos o que sentimos assim que descobrimos que esse estranho é um Irmão. Pense em como logo nos abrimos um para com o outro, trocando experiências. Na minha visão, isto é uma prova da importância que damos a pertencer à nossa Antiga Fraternidade e ao seu sistema de princípios morais.

b) Competitividade versus Fraternidade – Sem dúvida, nas democracias modernas ocidentais vivemos numa sociedade competitiva, uma sociedade orientada para a conquista. Espero que concordem comigo em como estes aspectos da nossa vida moderna não anulam, de modo algum, a nossa necessidade de socializar. A sociedade moderna fez-nos mais competitivos e com uma necessidade clara de provar a nós mesmo aquilo que fazemos. No entanto, devemos perguntar-nos se conquistas pessoais se tornaram, em todos os casos, mais importantes do que o contacto (emocional) pessoal. Tornou-se predominante nas nossas actividades diárias, ultrapassando todo o resto? Na minha visão, a resposta é: NÃO. Ainda temos a necessidade do nosso lugar.

Ao mesmo tempo, devemos entender que quando usamos o termo “Irmão” queremos dizer uma ligação emocional, típica de grupos pequenos como a nossa célula familiar. Sem investigar exaustivamente as teorias sociológicas acerca de grupos pequenos, espero estar a ser claro para todos, pelas suas experiências pessoais, que, em tais grupos sociais pequenos, forças aumentando a coesão são entendidas como legítimas e devem ser reforçadas, enquanto que a competição dentro de tal grupo pequeno é considerada ilegítima e é fortemente censurada. Não só é considerada ilegítima, mas também origina antagonismos emocionais muito fortes. Segue-se que, tão logo haja duras competições entre Irmãos dentro de uma Loja, elas originarão reacções emocionais muito fortes – podem reduzir uma Loja a migalhas. Uma característica típica de grupos pequenos é que eles tendem a ser monolíticos e não permitir a diversidade. Em oposição a isso, a nossa sociedade moderna é baseada na diversidade. Por que motivo pregamos tolerância e moderação? Certamente esperamos que os Irmãos deixem os seus antagonismos do lado de fora das portas da Loja, para que se conserve a harmonia.

Do que eu acabei de dizer devemos perceber que existe aí uma tensão inerente entre a nossa competitividade e nosso comportamento orientado à conquista fora da Loja e o envolvimento fraterno entre nós como Irmãos na Loja e como maçons. No mais, ela pode indicar porque é que competições dentro das nossas Lojas originam frequentemente tensões fortes e porque é oposta ao que consideramos relações fraternas.

c) A necessidade de se discutir assuntos gerais – Apesar de nos comprometermos a não discutir política (partidária) e religião (fé) nas Lojas, parece-me que a troca de visões acerca de questões morais é ainda uma necessidade do homem moderno. Pode até ser uma das atracções da Maçonaria. Moralizar, como os nossos ancestrais faziam.

O que me parece ser de extrema importância é que entramos numa Loja, e na Maçonaria, para satisfazer outras necessidades. Um neófito Iniciado geralmente sente que tem oportunidades suficientes para competir fora da Maçonaria e da Loja. Parece que quando tudo é dito e feito, depois de cuidarmos das nossas necessidades materiais, depois de garantirmos todas as nossas necessidades pessoais e familiares, ainda precisamos satisfazer as nossas necessidades sociais e espirituais. É isto que temos como objectivo atingir ao  tornar-nos Irmãos deste laço místico. Tornando-nos Maçons.

Na minha visão, um dos factores que influencia a força ou a fraqueza da Maçonaria hoje é a nossa percepção de que devemos satisfazer esta necessidade ou fazer perder o interesse de muitos Irmãos jovens. Aqueles que vêm à procura de relações intelectuais – pelo menos como factor adicional – desapontar-se-ão e logo sairão. Esse é o motivo pelo qual considero satisfazer as necessidades intelectuais como uma parte importante das nossas Lojas.

d) Devemos mudar os nossos princípios de moralidade? – Vamos voltar à questão dos princípios morais e se eles, também, mudam rapidamente no ritmo em que sociedade moderna muda. Comecemos concordando que não apenas a sociedade humana muda ao longo do tempo, mas que o grau de mudança aumentou imensamente, criando condições e novos problemas. A situação a qual chamamos de “A Aldeia Global,” com os seus meios modernos de comunicação, sem dúvida mudou muitos aspectos da nossa vida. Entretanto, espero que concordem comigo em como os princípios básicos de moralidade permaneceram inalterados, mesmo que as suas utilizações possam ter mudado ao longo do tempo.

Consideremos dois exemplos. A questão da igualdade é o primeiro princípio que me vem à mente. No Século XVIII, “todos os homens nascem iguais” significava apenas a nobreza. Então incluiu-se a burguesia e finalmente todos os homens foram incluídos, apesar das mulheres não serem consideradas “iguais”: foram as últimas a ser incluídas.

É mais provável que nós fomos os originadores do direito à autodeterminação, que se tornou lentamente aplicável aos direitos nacionais no Século XIX e seguinte, e o direito das nações influenciaram a questão das minorias e dos seus direitos. Como podemos ver, o princípio começou aplicável apenas a uma parte da sociedade e lentamente ampliou-se para englobar todos os seres humanos.

Esses são apenas dois exemplos. O princípio da igualdade fora discutido em Lojas maçónicas e adoptado por reformistas sociais. Começou com a igualdade de direitos (políticos e judiciais), mas é agora aplicado como igualdade de oportunidades a todos, sem considerar raça, religião e sexo. A ideia do estado de bem-estar social é uma descendente directa dos princípios morais adoptados primeiramente por maçons. Agora, como maçons que se “encontram no nível,” acreditamos que ele se aplica apenas aos nossos Irmãos, ou aceitamos a aplicabilidade mais abrangente do princípio da igualdade? Como maçons, temos algo a dizer sobre a desigualdade na sociedade fora da nossa Loja? Temos o que dizer sobre abusos dos direitos das minorias? Isto não é relevante para nós como cidadãos?

Espero que concordem comigo em que o que acabamos de dizer significa que a necessidade de se discutir questões morais com os outros permaneceu inalterada. Eu dou um passo mais além e digo que há uma necessidade de se avaliar constantemente os princípios em si mesmos e ajustá-los quando necessário para novas situações. Por outras palavras: quando falamos do princípio do governo da maioria, também predominante na Maçonaria, estamos na verdade discutindo princípios morais maçónicos que tipificam qualquer sistema democrático de vida. É a necessidade constante de um cidadão democrático conferir os limites da sua liberdade contra aqueles do seu próximo; os direitos dele contra aqueles de outros; os limites que devem ser colocados sob o governo da maioria. Então, também aqui, devemos concluir que os princípios de nosso “peculiar sistema de moralidade” ainda são válidos como o eram há décadas. O nosso sistema é “peculiar” no modo pelo qual é ensinado através de símbolos e alegorias. Esta é a única peculiaridade do nosso sistema.

Então, a Maçonaria ainda é relevante? O que é que tudo o escrito acima tem a ver com a Maçonaria?

Tudo!

A Maçonaria é um sistema de moralidade que nos ajuda a nos reformatarmos de acordo com princípios morais ideais. Fazer o que Sócrates chamou de “viver a boa vida”, significando: a única vida que vale ser vivida, uma vida de acordo com os princípios morais em si mesmo. Temos todos sucesso? Certamente que não! Sendo seres humanos normais – pelo menos espero que sejamos – temos as nossas fraquezas humanas. Nem sempre conseguimos o que esperamos, mas ao menos procuramos tentar chegar o mais próximo possível desse objectivo. Não será melhor assim, mesmo se só avançarmos um pouco?

É interessante que a Maçonaria floresce em sociedades nas quais os homens têm crenças arreigadas e um sentido de compromisso. Uma atmosfera na qual alguém tem como seu dever lutar pelas causas nas quais acredita. A Maçonaria não pode florescer numa sociedade na qual haja uma atmosfera de apatia, devido à visão de que nada pode ser feito para alterar injustiças, nem da qual o homem se sinta alienado.

Deve-se talvez perceber que novos movimentos de extremistas políticos e religiosos, de fundamentalismo, têm crescido por todo o Globo e estão a tentar obter supremacia. O que é que nós, como maçons, temos a dizer sobre isto, com base nos nossos princípios morais?

Preciso dizer mais? Parece-me que em toda sociedade moderna a Maçonaria pode contribuir para uma melhor atmosfera social e uma maior sensibilidade para as necessidades de todos os membros dessa sociedade. Especialmente os fracos e os necessitados. Como maçons, devemos orgulhar-nos disto.

Como organização, nós abstemo-nos de nos envolver em assuntos políticos e religiosos, mas maçons – como pessoas físicas – são parte de uma Fraternidade internacional de homens que expressaram o seu compromisso com certos princípios morais e com a sua conservação permanente; de homens que poderiam influenciar a sociedade dando bons exemplos. Não pregamos nem fazemos publicidade das nossas contribuições. Por outro lado, empenhamo-nos em nos certificar e re-certificar constantemente, e tentar sermos dignos do título “homo sapiens”. Estamos prontos para ser – pelo menos em parte do tempo – mais atenciosos com os outros e mais críticos de nós próprios e não dos outros?

A nossa própria vida tornar-se-á mais rica como resultado de sermos maçons em acções e em pensamentos? Bem, deixo para que cada um de vós reflicta sobre isso.

Daniel Doro, 33º – Grande Loja de Israel 

(Adaptado de tradução feita por Rafael Rocca dos Santos)

Fonte:  freemason.pt