A miséria do materialismo

Embalagens, envoltórios, recipientes, até o que levam por dentro é mera superficialidade, como nós. Tudo acaba no lixo igual. É esse o nosso destino?

 

Neste momento pode ser inevitável de termos de confrontar as demandas consumistas impostas a nós pelo marketing e que adotamos com passividade singular. Num momento em que os valores morais e espirituais deveriam nos unir, a dinâmica do que estamos praticando termina em, eventualmente, nos enfrentarmos e nos isolarmos: competição, indignação, reclamação, inveja.

 

Comprar não vai nos fazer mais felizes, em vez disso, buscar um estilo de vida baseado na ilusão de consumo de bem-estar só nos leva para longe da plenitude que cremos estar pagando. Nós acumulamos coisas que pesam sobre nós, as coisas que compramos para impressionar e agradar os outros apenas nos tornam mais miseráveis. Compra um estilo de vida é grosseiro. Eu compro, logo existo: confundimos a nossa auto-estima com zeros na conta bancária.

 

Quanto mais coisas eu tenho, mais coisas me faltam, e assim interminavelmente. Não importa a nossa classe social ou poder aquisitivo, nunca será suficiente, nunca teremos o suficiente. É um vazio escuro que cresce dentro de nosso interior e devora tudo.

 

Alardear aos nossos pequenos ou grandes gastos, sobre os luxos que podemos ter (mesmo ocasionalmente), só manifesta uma profunda falta de auto-estima e para com os outros. Porque ligar objetos à glória é dar importância de algo externo a nós, a fim de chamar a atenção dos outros, causar inveja e admiração de amigos e desconhecidos sem criar uma ponte ou uma ligação com eles, pelo contrário, acaba isolando-nos ainda mais. Nós lutamos por amor e apreciação dos outros: uma competição sem fim para provar (muitas vezes a nós mesmos) que somos valiosos através das coisas.

 

Basta dar uma olhada nas redes sociais para reconhecer que há algo fora de controle na forma de interagir com o mundo. Para perceber bastam as centenas e centenas de perfis de adolescentes e jovens que se gabam do dinheiro dos seus pais, posam com carros de luxo, ostentam viagens, mostram bolsas cheios de parafernália opulenta. Detenha-se para ver os cantos de sua boca, veja uma após outra foto, revise bem, interprete as suas posições, olhe para seus rostos, olhe para os seus olhos, encontre a tristeza pegajosa pregada na parte de trás de seus olhos.

 

Relógios, viagens, roupas caras, gadgets ridículas, livros nunca leu, instrumentos que nunca foram tocados, animais que são depois são abandonados, passeios de iate, turismo: tudo cabe no carrinho do supermercado se é para atender os impulsos que nos são inculcados desde a infância. Não importa o que seus interesses ou hobbies, o mercado está disposto a atender às suas necessidades. Como você quer mostrar para os outros? O que você quer projetar? Ser para parecer, parecer para ser.

 

Ofertas, descontos, abatimentos sobre os descontos. O mais desvalorizado hoje em dia são aquelas coisas que são de valor inestimável, tudo o que nos é dado naturalmente e, portanto, nós tomamos para concedido, nós desprezamos, nós desperdiçamos. Nosso ambiente, comunicação interior e com os outros, carinho, ternura, afeto, o amor, são apenas palavras, um forro de pálido para embrulho de presente.

 

Para a maioria, as aspirações são apenas essas, a despesa corrente não permitem manter o ritmo dos grandes gastadores de bem-estar material; os mais tristes se limitam a fingir estar abastados, mas perseguem mês após mês, numa luta, apenas o básico e necessário.

 

Se você sente que estou exagerando ou falando de idealismo, tornamos-nos cientistas. Um estudo psicológico, mais ou menos recente, aplicado a vários voluntários mostraram que as pessoas que têm uma visão materialista da existência não são apenas mais solitários, indiferentes e egoístas, mas menos compreensivos, empáticos e agradecidos. Os pesquisadores tomaram como mostra um grupo diversificado de pessoas com 18 anos que foram questionados sobre os seus valores, sua visão de mundo e aquilo que era importante para eles. Então, 12 anos depois, eles retomaram as entrevistas. Seu senso de autonomia, pertencimento, bem-estar e propósito de vida foram demolidas a cada compra. Mesmo falando psicologicamente, eram mais propensos a sofrer distúrbios. Ao contrário, aqueles que mais se afastaram de uma visão de mundo utilitária e materialista, tudo mencionado aumentou (autonomia, pertencimento, bem-estar e propósito de vida) e foram mais felizes.

 

Outro estudo observou a vida social da Islândia após o colapso da sua economia. Algumas pessoas tentaram recuperar o tempo perdido e se focaram em ostentação e pertences, outros reduziram a importância que davam ao dinheiro para se concentrar em sua vida social e familiar. Se encontrou uma correlação semelhante ao do primeiro estudo: o primeiro grupo estava insatisfeito, o segundo conseguia um maior bem estar.

 

Um terceiro estudo mostrou a um grupo de voluntários imagens de artigos de luxo e mensagens que se referiam a eles como consumidores e não como cidadãos ou pessoas. Todos mostraram um aumento nas aspirações materiais, bem como características de depressão e ansiedade. Se tornaram mais competitivos e egoístas. Se reduziu seu sentido de responsabilidade social e eram menos propensos a participar de causas sociais. Os pesquisadores concluíram que a exposição a tais mensagens podem desencadear esses efeitos temporariamente.

 

Um quarto estudo investigou durante seis anos um grupo de 2.500 pessoas. Uma correlação entre materialsmo e solidão foi encontrada. Quanto mais crescia sua tendência materialista mais tendiam a isolar-se. Quanto mais isolado que estavam, mais materialistas se tornavam. Tendemos a nos prender às coisas materiais quando abandonamos nossas relações humanas.

 

Doença mentais, relacionamentos quebrados e dívidas impagáveis é a trilha que deixa o capitalismo em seu caminho. Para funcionar, isola-nos, para sobreviver tudo consome. Os consumidores acabam sendo consumidos.

 

Kin Navarro

 

Tradução: Leonardo Maia

Publicado originalmente em: https://www.antroposofy.com.br/forum/a-miseria-do-materialismo/