A Verdade e a Felicidade

Introdução

Uma das instruções aplicada na Maçonaria, aborda a Verdade. Guardei, dessa instrução, as seguintes perguntas: de que maneira a Verdade interessa à felicidade? Podemos ser felizes na ignorância? E poderemos ser felizes mesmo diante da Verdade?

Concluí, em minhas reflexões, que, a vida é movimento, assim como o conhecimento, assim com a felicidade. De alguma forma, o caminhar entre o Norte e o Sul, e depois para o Oriente, significa compreender o sofrimento e a felicidade como um fluxo constante e natural da vida, tal que a busca da Verdade constitui os passos desse caminhar.

Desenvolvimento

Acredito que o propósito da nossa existência é ser feliz. Dan Gilbert¹, professor e pesquisador de psicologia da Universidade de Harvard, argumenta que fomos biologicamente programados para produzirmos felicidade onde quer que estejamos, aconteça o que acontecer. Para exemplificar, em um estudo científico citado por esse autor, descobriu-se que pessoas que ganharam na loteria e pessoas que se acidentaram e ficaram tetraplégicas têm o mesmo nível de felicidade Ganhar a loteria não nos torna mais felizes nem ficar tetraplégico nos torna mais infelizes.

O que os estudos têm mostrado é que tem mais a ver com as relações pessoais que mantemos, com as experiências que vivemos e com as estórias que contamos de nós mesmos².

Uma amiga minha, Priscila Provedel, também psicóloga, postou há alguns meses um texto nas redes sociais que considero especialmente pertinente para a conexão lógica que pretendo fazer:

“Nascemos dos discursos alheios. Discursos através dos quais o mundo nos foi anunciado. Discursos que também nos apresentaram a nós mesmo(a)s. Eu me sei a partir do outro. E esse outro não é perfeito, nem linear, jamais é neutro e carrega em si uma multiplicidade de outros discursos. Não assimilamos necessariamente as experiências como elas ocorrem. Mas os enunciados que sobre elas foram feitos. Precisamos refletir sobre esses discursos e ponderar as consequências do ato de interpretar. As estórias que contamos sobre nós mesmos são profundamente poderosas. Podem ser destruidoras, provocar adoecimento ou ainda serem transformadoras e nutridoras.”

 

Ora, se as estórias que contamos de nós mesmos importam, nossa capacidade de acreditar nessas estórias será fundamental para sustentar nossa felicidade. Por isso, a Verdade importa, pois, ao saber que algo não é verdadeiro, inevitavelmente precisaremos lidar com o contraditório - e o contraditório nos incomoda e nos impele a tentar resolvê-lo.

A verdade está no pensamento ou no discurso, e não na realidade, no ser ou na coisa. A realidade é algo dado, perfeito em sua existência e inflexível ao juízo que fazemos dela, podemos pensar o que quisermos das coisas ou dos acontecimentos, podemos contar quaisquer estórias, mas os fatos não se alterarão com o nosso querer - não basta crer que há sol para que deixe de chover. Chove e ponto, essa é a realidade. Não basta crer que somos felizes se há infelicidade, menos ainda basta dizer que somos felizes para o sermos.

A Verdade é, portanto, uma propriedade do que pensamos ou comunicamos, o que significa que ela estará sempre sujeita à nossa capacidade de interpretar corretamente a realidade e à nossa intenção de comunicá-la coerentemente. Muitas vezes a inverdade surge da nossa incompetência em interpretar e às vezes da nossa intenção deliberada de mentir.

A nossa capacidade de interpretar a realidade é sempre limitada. Em parte, devido aos vieses cognitivos a que estamos sujeitos, em parte, a outros fenômenos psicológicos, tais como as defesas do ego, que nos tornam capazes de contrariar mesmo a lógica mais elementar, nos fazem negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, e até mesmo nos desconectar completamente da realidade (através de surtos psicóticos, por exemplo). Os vieses cognitivos e as defesas egóicas nos afetam a todo momento sempre interferindo na nossa capacidade de julgar a realidade.

Diremos que conhecemos algo quando nossa percepção sobre a realidade se aproxima da realidade em si.

Mas, se o nosso conhecimento depende da nossa capacidade de observar a realidade e interpretá-la, e se nossa capacidade de observação e compreensão é significativamente limitada pelos nossos sentidos e por diversos vieses, então é possível conhecer de fato a Verdade?

A busca pela Verdade é o que nos impele a diferentes níveis de consciência sobre nós e sobre o que nos cerca, ainda que ela nunca possa ser de fato alcançada. Buscar a Verdade e adquirir novos níveis de consciência é fundamental para desbastar e nossas asperezas, é um trabalho de pura Força que nos faz vencer nossas limitações. Quando alcançamos um novo nível de consciência nos deparamos com um novo e maravilhoso mundo, nos deparamos com o encantamento e com a Beleza. Mas, tal encantamento deverá ser momentâneo, pois novas consciências nos permitirão encontrar novas perguntas não respondidas, novas verdades a se descobrir, novas angústias e novos sofrimentos a superar, então precisaremos novamente de Força, para superar mais um nível de consciência.

A cada nível de consciência, temos um conjunto de modelos que aproximam a realidade da nossa percepção, por exemplo, na antiguidade clássica, acreditava-se em uma partícula indivisível denominada átomo, posteriormente esse modelo evoluiu e vieram os modelos e Dalton, Thomson, Rutherford, e Bohr até as teorias quânticas atuais. Encontramos outro exemplo na nossa compreensão do Universo, cujos primeiros modelos previam a Terra no centro com as estrelas percorrendo caminhos erráticos pelo céu - havia mapas descrevendo esses caminhos, depois o modelo foi heliocêntrico, e hoje sabemos que sequer o sol é o centro do Universo e que, talvez, nem mesmo o nosso Universo seja único.

Da mesma forma, as nossas percepções particulares evoluem e mudam as crenças, as heurísticas e as estórias que contamos do mundo e de nós mesmos. A cada mudança nesses níveis de consciência, vivenciamos a quebra dos paradigmas anteriores e a criação de novas crenças, um novo paradigma. Acreditamos que todos os cisnes são brancos até encontrarmos cisnes negros, aí seremos obrigados a rever nossas interpretações da realidade.

Thomas Kuhn³, físico e filósofo, define paradigma como sendo as “realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior as pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados” - lembro-me da minha mãe dizendo em tom jocoso que “o computador surgiu para resolvermos problemas que não existiam antes dele”. O paradigma é um princípio básico, uma teoria ou conhecimento originado da pesquisa em um campo científico que serve de referência básica para novas pesquisas.

A cada novo modelo de mundo, e a cada novo nível de consciência, a cada paradigma caminhamos entre o Sul e o Norte, entre a Força e a Beleza, em uma viagem que só se encerra na morte. Até lá, seguiremos num infindável aprender, numa constante busca pelas verdades que nos cercam e pelas verdades de nossos corações, pois o propósito de nossa existência é ser feliz, e precisamos aceitar nossas estórias como verdadeiras para que o sejamos.

Aprender dói e, talvez não haja nada tão eficiente quanto o sofrimento para nos impelir ao aprendizado. Sofremos quando não podemos mais aceitar as nossas próprias estórias, quando desejamos algo diferente do que o que ocorreu, quando desejamos um futuro diferente do que o que se projeta diante de nós. Sofremos quando nos apegamos a esse desejo e a essas estórias.

Em muitos momentos de minha vida, me vi pedindo por Força em minhas orações. Força para superar enormes desafios que se colocavam diante de mim. Força para persistir, para resistir, para superar, para compreender, para aceitar, para permitir, para desapegar.

Notem, meus Irmãos, a Força só pode ser aplicável sobre um corpo. Há que se ter algo, há que se ter substância, há que se ter energia e intenção de vencer a inércia. Não há Força que se aplique no vazio, por isso, só podemos ser fortes no sofrimento.

Entre a Força e a Beleza, há a superação de incontáveis sofrimentos. O sofrimento é o que nos impele à mudança. O sofrimento se opõe à felicidade tal como a Força se opõe à Beleza. Não há beleza no mundo de quem sofre. O sofrimento é a busca da Beleza e para haver Beleza, é preciso cessar o sofrimento. Contempla-se a felicidade tal se contempla a Beleza.

Em muitos momentos também me vi alegre, feliz, completamente tomado e imerso no momento presente. Lembro-me não apenas os grandes acontecimentos, do nascimento da minha filha, do meu casamento, da minha formatura, mas também de pequenos e sublimes momentos, e uma vez no parque em que a Nina correu na minha direção sorrindo para me dar um abraço, de outra quando ela escreveu a primeira vez “Nina ama papai”, lembro-me de almoços em família na casa da minha mãe de um ou outro jogo de futebol, de boas risadas com amigos, de brincadeiras da infância, de jogos, de festas a escola, lembro-me de conversas sérias e profundas que tive com meu pai, e das piadas que ele costumava fazer, lembro-me de passeios à praia da casa dos meus avós, da bagunça com os primos, lembro-me de algumas sessões aqui em nossa loja, de bons momentos com os Irmãos. Todos esse momentos têm rara Beleza, que só pode ser contemplada porque não havia sofrimento, porque eu estava feliz.

Eventualmente, quando superamos o sofrimento, nos deparamos com um novo mundo, compreendendo coisas que antes não acessávamos, as “partículas subatômicas” de nossas existências, que só entendemos quando adquirimos consciência para tal.

A contemplação da Beleza é a mais pura manifestação da consciência, e, justamente por sê-lo, ela não pode se manter inalterada diante da constatação das contradições que há no mundo e em nós. A Beleza nos impele ao sofrimento tanto quanto o sofrimento nos impele à Beleza.

CONCLUSÃO

Entre Norte e Sul, entre Força e Beleza, estamos fadados a esse ciclo sem fim? Mas e o Oriente? Algum Irmão perguntará.

Eu não sei, ainda não estou lá, direi eu. Mas, quando estiver, talvez eu tenha compreendido que viver é esse constante ir e vir, entre o sofrimento e a felicidade. Que é natural sofrer tanto quanto é natural ser feliz.

Quando eu estiver lá, talvez eu não me desespere mais nos momentos de maior dor, pois se há esse fluxo natural, eu saberei que o sofrimento passa, que a dor é superada, que podemos ser felizes, não importa o quê. Talvez eu tenha aprendido que a felicidade também passa, que ela é efêmera em sua condição, e que, portanto, devemos aproveitar cada momento feliz com os nossos, cada abraço, cada risada, cada viagem, cada almoço de família, cada brincadeira, cada sessão, cada ágape, porque eles passarão.

Talvez eu tenha aprendido que o sofrimento e a felicidade vêm e vão com o caminhar, e que se o Norte é a mais pura expressão da Força, e o Sul a mais pura expressão da Beleza, então é o Oriente a mais pura expressão da Fé de que o sofrimento e a felicidade fazem parte do caminho. Talvez, o Oriente seja, então, a Sabedoria que se adquire ao reconhecer que o tanto que sabemos é o pouco que nos basta por ora, que a Verdade nunca será de fato alcançada, mas que buscá-la é o que nos mantém em movimento para sermos felizes.

Vinicius Ferreira de Castro

Membro efetivo da A∴ R∴ L∴ S∴ “Alferes Tiradentes” Nº 20

Oriente de Florianópolis - SC.

Bibliografia:

¹ Gilbert D. Stumbling on Happness. Vintage Canadá; 2009.

² Vaillant GE. Triumphs of Experience. Harvard University Press; 2012.

³ Kuhn TS. The Structure of Scientific Revolutions. University of Chicago press; 2012