A virtude da perseverança

Muitas das virtudes humanas estudadas no contexto da Filosofia Clássica deixaram de ser compreendidas com precisão na linguagem corrente. A perseverança, no entanto, continua a ser bem compreendida, embora pouco praticada em uma realidade de distrações abundantes.

A excelência pode ser conquistada em pequenos passos, ainda que as lentes do imediatismo teimem em dizer o contrário. A perseverança é uma virtude fundamental para lidar com o processo.

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Perseverança é a capacidade executar as ações necessárias para realizar aquilo que você decidiu. É comprometer-se com a decisão tomada, mesmo diante dos imprevistos, das dificuldades e dos altos e baixos da motivação pessoal ao longo do percurso.

Dois aspectos precisam ser levados em consideração para desenvolver uma atitude perseverante diante da vida: a retidão das motivações e a intensidade com que se vive o dia-a-dia.

O que aquele compromisso assumido representa para você? Qual bem será obtido a partir dessa decisão? Como a meta estabelecida vai contribuir para a totalidade da sua biografia? Você se tornará uma pessoa melhor ou vai melhorar a vida de alguém após realizar o que se propôs a fazer?

Refletir e introjetar as razões pelas quais decidimos perseguir uma meta resultará em maior ou menor empenho na realização das muitas tarefas diárias necessárias para encarar qualquer objetivo que valha a pena.

Aqui entra em cena a questão da intensidade. Não dá para fazer as coisas mais ou menos. Se aquilo que você decidiu importa para você, vale a pena ser feito com intensidade e capricho. Se o objetivo não é importante, por que você está perdendo tempo com ele?

Se algo precisa ser realizado, então deve ser feito com afinco.
Nos últimos anos eu dei muitas consultorias para profissionais que desejavam mudar de carreira ou que estavam assumindo novos desafios profissionais. Um ponto comum entre aqueles que obtiveram maior êxito é a capacidade de encarar um objetivo de longo prazo como uma sucessão de pequenos passos cotidianos, cada qual apoiado no passo anterior. Cada um desses passos é percebido como uma aproximação gradual da situação desejada.

É impressionante e ao mesmo tempo triste perceber que muitos se propõem a realizar objetivos promissores, mas desanimam antes de conseguir concretizá-los.

É como o corredor amador que se frustra ao perceber que não correrá uma maratona treinando por apenas dois meses, ou como o empreendedor que desanima quando conclui que seu projeto demorará alguns anos para ser lucrativo.

A perseverança é uma virtude forjada em pequenos avanços na direção correta.

As dificuldades ao longo do caminho

O imediatismo é uma característica dos nossos tempos. O marketing nos vende a promessa de que podemos nos transformar em qualquer coisa se emularmos o mesmo estilo de vida das pessoas que admiramos, as mídias sociais propagam que é possível aprender qualquer coisa em vídeos curtos e as grandes empresas de tecnologia divulgam a ilusão de que a Inteligência Artificial irá nos poupar do esforço de pensar.

Não podemos nos enganar, quase tudo que vale a pena leva tempo para ser conquistado. Quase sempre será preciso também abrir mão de outras atividades desejadas e muitas vezes mais divertidas para colocar em marcha um objetivo significativo. A excelência é um caminho árduo.
Em termos concretos será preciso lidar com obstáculos. Alguns podem ser minimizados com um bom planejamento, outros serão inevitáveis. Um membro da família que adoece, uma situação momentânea de desemprego, a necessidade de fazer um curso exigido pelo chefe. Quando algo inevitável nos tira da rota, é preciso rever o planejamento e encarar as novas realidades com espírito esportivo. A vida vai sempre nos surpreender. Uma vida com sentido é construída em meio aos altos e baixos da realidade. Uma biografia jamais será uma linha reta.

Se preferir, ouça

Outra dificuldade frequente é superestimar as próprias capacidades e tentar melhorar várias coisas ao mesmo tempo. Uma pessoa comum quase nunca consegue lutar com seriedade em várias frentes de batalha simultâneas. Cuidado com os gurus que propagam a imagem de super-humanos. Quase ninguém é o que aparenta ser na rede social. Frequentemente será mais útil trabalhar muito em poucos objetivos do que dissipar energia em várias metas simultâneas.

O poste e a árvore

Havia naquela ruazinha da cidade do interior um poste e uma árvore, convivendo há tantos anos que eu não saberia dizer. Um defronte ao outro, ambos continuam por lá.

O poste “apenas está”, cada vez mais escurecido pela fumaça dos carros e corroído pela ferrugem que se acumulou com o tempo.

Já a árvore, uma mangueira longeva, renova-se a cada estação. Cresce em estatura, folhagem e beleza. De quando em quando, brinda a todos com as mangas mais suculentas já provadas naquele lugar.

O poste é o símbolo da rotina sem sentido vivida por tantos. A mangueira simboliza a perseverança. Tal qual a árvore dessa pequena parábola, as virtudes carecem de recomeços constantes para continuar gerando seus frutos ao longo do tempo. É preciso perseverar para continuar a viver.

Questões para refletir sobre a perseverança

Você está propondo a si metas que fazem sentido para a pessoa que deseja ser e reflete constantemente sobre a importância das pequenas atitudes diárias para a construção da sua biografia?

Você consegue dividir essas metas em pequenos passos e prever, na medida do possível, os futuros obstáculos?

Você tem humildade para pedir ajuda? Sabe quem são as pessoas que podem te ajudar a realizar seu objetivo?

Você sabe quais atividades precisará deixar de fazer para focar nas suas metas e elencou os recursos (materiais, humanos, comportamentais, de tempo etc.) para atingir o que se propôs a realizar?

Você sabe celebrar as conquistas intermediárias e se alegrar com o processo?

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Uma dica final: não seja teimoso. Quando tomar uma decisão, mas depois perceber que estava enganado, seja em relação ao objetivo final ou aos meios necessários para alcançá-lo, insistir no erro não será perseverança e sim teimosia. Manter uma rotina sem sentido, defendendo comportamentos errados apenas por não querer voltar atrás significa perder de vista os fins dignos da vida humana.

Pare para pensar sobre como as coisas estão indo, pois como registrou Platão em sua Apologia de Sócrates: uma vida não refletida não é digna de ser vivida.

 

 

 

Este artigo foi originalmente publicado em kaioserrate.com.br.