ADAPTAR A MAÇONARIA ANTES QUE SEJA TARDE

A Maçonaria, esta instituição que se arvora como a guardiã da Tradição, do Saber Antigo, da Fraternidade e da Liberdade, encontra-se hoje diante de uma encruzilhada histórica. A sua história secular, composta de símbolos, rituais e idealizações filosóficas, corre o risco de se tornar apenas uma peça de museu, admirada por estudiosos e colecionadores de curiosidades históricas, caso não seja capaz de se reinventar sem trair seus fundamentos essenciais. Adaptar-se não significa corromper-se, mas sim respirar novamente o ar do mundo vivo, do tempo presente — um tempo difícil, ambíguo e desafiador, mas inevitável.

A Maçonaria não pode mais fingir que o mundo não mudou. Não pode seguir ignorando a aceleração tecnológica, as transformações sociais profundas, o colapso das instituições tradicionais e a ascensão de novas formas de espiritualidade, de organização e de poder. O templo que outrora servia como refúgio sagrado para a busca da luz corre hoje o risco de se tornar um labirinto vazio, onde o eco das palavras substitui o vigor do pensamento, e onde as formalidades ritualísticas tomam o lugar da experiência iniciática genuína.

A primeira e mais urgente adaptação que se impõe à Ordem é uma profunda revisão de seu papel no mundo. Não se trata apenas de “modernizar-se” — termo frequentemente usado para justificar a banalização de qualquer coisa — mas sim de se reorientar em direção a uma missão clara, lúcida e relevante. Que tipo de homens a Maçonaria deseja formar no século XXI? Que tipo de transformação social e espiritual ela se propõe a promover? Sem essa clareza, será apenas mais um clube social com simbolismo exótico.

A segunda adaptação reside na abertura para o conhecimento contemporâneo. A Maçonaria, herdeira das ciências ocultas e das filosofias clássicas, não pode continuar alheia às descobertas da física moderna, da biotecnologia, da neurociência, da inteligência artificial e da psicologia profunda. As Luzes de outrora não são as mesmas de hoje. Um iniciado do século XXI não pode ser formado apenas com base nos referenciais do século XVIII. É preciso integrar, interpretar, transmutar — e, acima de tudo, discernir o que ainda ilumina e o que já se apagou.

Outro ponto crítico é a estrutura institucional maçônica. Sua fragmentação em obediências que muitas vezes rivalizam entre si por vaidade ou apego ao poder burocrático contradiz frontalmente o ideal de Fraternidade Universal que a Ordem professa. A Maçonaria precisa urgentemente deixar de ser um campo de egos disputando títulos, para se tornar um organismo vivo que una forças para servir à humanidade. Para isso, talvez precise reinventar sua governança, abandonar hierarquias inflexíveis, combater o culto à vaidade interna e valorizar, acima de tudo, o mérito real, intelectual, moral e espiritual.

Ademais, é urgente enfrentar os tabus que envolvem a Maçonaria enquanto ator político e cultural. Por muito tempo, a Ordem hesitou em se posicionar diante das grandes questões do mundo, temendo perder sua neutralidade. Mas neutralidade em face da injustiça, da tirania, da ignorância e da manipulação é cumplicidade disfarçada. A Maçonaria precisa voltar a ser voz ativa, crítica e corajosa. Precisa sair da letargia institucionalizada e retomar seu papel de vanguarda ética da sociedade.

É imperativo também o combate à mediocridade interna. A iniciação maçônica não pode ser um ritual burocrático seguido de uma vida de reuniões maçantes e jantares protocolares. A iniciação deve ser vivida como um abalo de alma, como um despertar que transforma o ser e o obriga a uma reconstrução radical. Isso requer mais estudo, mais vivência simbólica profunda, mais exigência, mais qualidade e menos quantidade. A proliferação de lojas e iniciados sem estofo tem contribuído enormemente para o esvaziamento do sentido iniciático.

Por fim, a Maçonaria deve enfrentar com coragem a sua própria sombra. Deve olhar para os próprios erros, para os conchavos políticos espúrios, para o elitismo vazio, para o carreirismo institucional e para a omissão histórica em momentos decisivos. O tempo do autoengano acabou. Ou se assume com transparência e propósito renovado, ou perecerá lentamente como uma relíquia de um mundo que não mais existe.

A verdadeira adaptação da Maçonaria exigirá sacrifício, coragem e humildade. Exigirá desapego das formas mortas e resgate do espírito vivo da Tradição. Exigirá que se ouçam novamente os clamores do mundo, que se busquem novas Luzes sem apagar as antigas, e que se tenha a ousadia de viver a Maçonaria como ela foi pensada: um caminho de transformação interior com reflexos inevitáveis no mundo exterior.

Se a Maçonaria não fizer isso agora — com urgência, com honestidade e com profundidade — poderá estar selando seu destino como mais uma instituição que, por medo de mudar, se tornou irrelevante. E para uma instituição que carrega no peito o lema Ordo ab Chao, é imperdoável não saber renascer da própria crise.

Nilo Sergio Campos -GOB