Agostinho: Tempo, Memória e Filosofia

Introdução

No decorrer da história da filosofia, muitos pensadores falaram e escreveram há cerca do tempo, da memória e da alma, porém no século V surge um homem que mudaria toda a estrutura e rumo do filosofia no que refere-se os conceitos supracitados. Também não é exagero dizer que suas contribuições são ainda de grande relevância.

Agostinho: Tempo, Memória e Filosofia

Aurélio Agostinho, ou mais conhecido como Santo Agostinho, nasceu em 354 d.C., em Tagaste, morreu em 430 em Hipona, onde foi consagrado bispo. Agostinho não foi somente um homem de seu tempo, foi um homem brilhante que transformou o pensamento ocidental. Teólogo, filósofo, professor de retórica e bispo de Hipona, nos deixou muitas contribuições, entre elas o sua magnífica obra Confissões, onde desenvolveu seu pensamento filosófico-teológico que passamos a estudar a partir de agora.

Antes de estudarmos o conceito de tempo, memória e a filosofia de Agostinho, é imprescindível entender ou voltar a um conceito anterior sobre a criação e o seu Criador, isto é, Deus. Sem esses pressupostos não pode-se compreender a concepção de tempo para o Bispo de Hipona.

Agostinho tem muito apreço sobre o seu conceito de Deus. Para ele nada pode anteceder a Deus,  Ele é o criador de todas as coisas e não foi e nem pode ser criado por nada. Dentro da sua doutrina não se pode afirmar que Deus faz parte de sua criação devido a sua condição que é estar antes de qualquer coisa criada.

Para não cairmos em um inflexão, não nos deteremos ao conceito de vontade de Deus, porém apenas afirmaremos que a vontade de Deus não é criada, mas sim parte da substância eterna de Deus. Assim, Ele só criou o mundo porque a vontade é um atributo do Criador se faz presente na eternidade.

Para finalizarmos esse breve comentário sobre a criação é preciso citarmos a pergunta filosófica do Bispo de Hipona: “Como Deus criou o mundo? E Agostinho vai responder esta pergunta dizendo que Deus criou o mundo do nada, isto é, ex nihilo. Veremos como ele afirma isso:

“Tu no princípio que procede de ti, na tua Sabedoria nascida da tua substância, do nada criaste alguma coisa. Fizeste o céu e a terra, mas não da tua substância, pois assim seria igual a seu Filho unigênito, e, portanto, iguais também a ti […] por isso criastes do nada o céu e a terra, duas realidades, uma grande e outra. […]. Deste nada fizeste o céu e a terra duas realidades: uma perto de ti, outra perto do nada.” [1]

Mas há outra pergunta ainda, que é pertinente para a introdução sobre o tempo: O que Deus fazia antes de criar o mundo? É interessante a forma como Agostinho diz de que responderia esse questionamento “Aquilo que não sei, não sei”, essa seria a maneira de não levar ninguém a uma situação constrangedora. Todavia, sua resposta ao questionamento sobre o que Deus fazia antes da criação foi “Antes de criar o céu e a terra, Deus não fazia nada”[2]. Ele finaliza essa afirmação dizendo que não existe nenhuma criação antes da primeira criatura. Assim, o mundo não pode ser eterno. Teve inicio não no tempo, mas com o tempo. Não havia tempo antes do tempo, não foi a criação no tempo, mas a criação do tempo. Para ele esta é a relação entre eternidade e tempo.

A partir daí podemos dizer que Agostinho consegue sua maior conquista filosófica, pois começa uma nova era do pensamento a respeito do tempo e a eternidade, pois fazem

“parte de duas dimensões incomensuráveis […] e indevida do conceito de tempo ao eterno, que é coisa totalmente diferente do tempo.”[3]

O tempo então faz parte de um categoria dentro da criação e está estritamente ligado ao movimento, porém como vimos não há movimento antes do tempo. Agostinho diz:

“Não houve portanto um tempo em que nada fizeste, porque o próprio tempo foi feito por ti. E não há um tempo eterno contigo, […] tu és estável, e se o tempo fosse estável não seria tempo.”[4]

Mas o que é o tempo? O conceito de tempo para Agostinho pode ser fácil de ser entendido, porém difícil quando vamos explicar, isto é, quando alguém me pergunta o que é o tempo eu sei o que é o tempo, todavia quando alguém pede para que eu explique, eu não sei. Tal dificuldade está relacionada ao que chamamos passado, presente e futuro, esse problema pode até nos levar a uma falsa compreensão do tempo ou até levar-nos ao engano de o tempo não existir, porém a forma com a qual ele resolve essa questão é:

“No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado se nada passasse; e não haveria o tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempo – passado e futuro – , uma vez que o passado não mais existe e o futuro ainda não existe? E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade.”[5]

Reale de forma espetacular explicar o processo do tempo, dizendo que:

“O tempo implica passado, presente e futuro. Mas o passando não é mais e o futuro não é ainda. […]. Na realidade, o ser do presente é um presente é um continuado deixar de ser, um tender continuamente ao não-ser. Agostinho destaca que, na realidade, o tempo existe no espírito do homem, porque é no espírito do homem que se mantêm presentes tanto o passado como o presente e o futuro. Mais propriamente, se deveria dizer que os tempos são três: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro.”[6]

O tempo é concebido de um foi que já não é. É um agora, que não é; o agora não se pode deter, pois se pudesse deter não era tempo. É um será que ainda não é, assim podemos cair novamente no paradoxo de que o tempo não exista. Mas, como vimos na citação acima de Reale, o tempo não deve ser medido como algo exterior, mas algo que acontece na espírito/alma “ruach/nefesh”.

A partir dessa compreensão, podemos saber que o tempo é medido pela alma, o “presente do passado”, isto é, concebemos o passado como memória e o futuro como expectativa. Mas o que nos interesse por hora é o conceito de memória, que para Agostinho tem outro significado, diferente do que conhecemos. Como observa Moreschini:

“Para Agostinho, memória se aplica a tudo o que está presente na alma e influi sobre ela, ainda que a alma não esteja consciente disso.”[7]

J. Ferrarter Mora diz:

“Em várias obras Agostinho considerou a memória como a própria alma na medida em que recorda: o recordar não é aqui propriamente uma operação ao lado de outras, pois a alma recorda na medida em que é.”[8]

O sistema doutrinário de Agostinho está diretamente relacionado com seu sistema teológico e filosófico. O primeiro é a base do desenvolvimento do seu pensamento onde sua fé não encontra-se em rota de colisão com a razão, assim o segundo sistema vai ser desenvolvido com esta base. Agostinho, é por tradição platônico, ou melhor, um neoplatônico, mas ele deve muito do desenvolvimento do seu sistema filosófico a Plotino e a Aristóteles.

Conclusão

Podemos concluir dizendo que Agostinho, o Bispo de Hipona, foi o personagem mais importante da Idade Média. Seu sistema reinou até outro personagem surgir na história da filosofia e transformar o pensamento, retomando o sistema filosófico de Aristóteles. Estamos fazendo referencia à Tomas de Aquino conhecido com Santo Tomas de Aquino ou o boi mudo.

Fábio de Araújo

Notas:

[1] – AGOSTINHO, S. Confissões, 1984. p. 365

[2] – Ibid., p. 337.

[3] – Reale G., Antiseri, D. História da Filosofia V. II, 1990, p. 453.

[4] – AGOSTINHO. S. op. cit., p. 338.

[5] – AGOSTINHO, S. opt. cit., p. 339

[6] – Ibid, p. 454.

[7] – Reale G., Antiseri, D. Ibid., p. 478.

[8] – MORA, Ferrater J., Dicionário de Filosofia. – Tomo III, 2001. p. 1926

Referências

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Editora Paulus, 1984.

REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. Volume 1. São Paulo: Editora Paulus, 1990.

MORA, Ferrater J., Dicionário de Filosofia. Tomo III. 2 a . ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

MORESCHINI, Claudio, História da Filosofia Patrística. 2 a . ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

Fonte: Revista Pandora Brasil