Bem-vindo ao futuro

 

Nunca se viu uma febre tão repentina e avassaladora como a provocada pelo FaceApp. Desde o último fim de semana, milhões de pessoas já se divertiram com o aplicativo para smartphones que modifica as imagens das pessoas, fazendo-as parecer mais jovens ou mais idosas. A função que “envelhece” o usuário, ou sua potencial “vítima” - com surpreendente acuidade e verossimilhança - é aquela que maior impacto provoca.

 

Todos nós já tivemos oportunidade de nos vermos jovens, em fotos ou vídeos, e a maioria dos usuários é, ainda, muito jovem para necessitar deste precário consolo. Ver-se mais velho, sim, isto é muito engraçado. E pode ser, igualmente muito assustador. 

 

Para alguém no frescor dos seus 20 ou 30 anos de idade, se deparar com uma versão de si próprio aos 50 ou 60 anos não é algo banal. 

 

Para um jovem, a idade madura está, geralmente, além de seu universo de preocupações, e mesmo de sua capacidade de representação mental. Mais fácil é para aqueles que já estão nessa faixa etária e que começam a encarar sua própria terceira idade pela frente. Ainda assim, enxergar-se subitamente como um octagenário…

 

Vivemos em um país que ainda se representa como jovem, mas cuja população está em rápido envelhecimento. Logo seremos idosos do que crianças e jovens, e a noção de “idoso” terá de ser repensada.

 

Os avanços da ciência e das condições sanitárias estão permitindo um alargamento da longevidade e da expectativa de vida tanto aqui como no resto do mundo desenvolvido. 

 

O recente debate em torno da reforma da Previdência expõe os riscos a que estamos sujeitos, caso não reformemos também nosso pensamento sobre o envelhecimento. 

 

Esse aplicativo pode trazer um benefício talvez não previsto por seus criadores: romper a natural negação da passagem do tempo, e incentivar os jovens a prever seu futuro, que promete ser ainda mais longo do que o nosso, tanto do ponto de vista da saúde quanto das finanças.

 

* Ercy Soar

Médico psiquiatra e psicoterapeuta