Bibliotecas incendiadas

 

A pandemia, além das milhares de mortes de brasileiros, ressignificou a vida para algumas pessoas. Imaginava-se, no início, que sairíamos melhores. 

 

Acentuar-se-ia a empatia entre as pessoas, que estenderiam a mão aos semelhantes, notadamente àqueles que, porventura, perdessem entes queridos. Ledo engano. Ampliou-se a animosidade na seva das redes sociais - esgoto da imbecilidade de alguns -, vindo à tona, em certos casos, chocantes pensamentos escondidos.

 

Dentre eles, uma assertiva ouvi com regularidade: “Essa doença só atinge os idosos. Alguns, inclusive, já estão no lucro”. Não são poucos os que falam tais coisas, como se idosos, para eles, fossem de somenos importância e que os óbitos de quem tem a melena branca seriam da normalidade. 

 

Óbvio que todos pereceremos algum dia, mas entendo que foi no rastro dos idosos - pais, mães e avós - que cada um de nós alicerçou a própria trilha existencial.

 

Há algo mais saboroso do que conversar com algum idoso que conte acerca dos tempos de antanho?

 

Importante que se diga, ainda, que antes de qualquer bem material, a maior herança que nos deixarão essas pessoas com vida longa é a experiência, elemento que vale, em certos casos, mais do que dezenas de diplomas, uma vez que o saber da experiência construído é um patrimônio absoluto dos antigos. E nós, que também envelheceremos, temos de lembrar que as conversas, os conselhos, as orientações e as histórias dos anciãos constituem um patrimônio inalienável. Há algo mais saboroso do que conversar com algum idoso que conte acerca dos tempos de antanho? Quanta sabedoria está embutida nessas conversas entre netos e avós ou entre filhos e pais! Refiro-me ao somatório de experiências que faz dos que vieram antes verdadeiras luminárias aos caminhos dos que vieram e vêm depois.

 

Por isso, seria relevante nos darmos conta de que os velhos, idosos ou anciãos, são bibliotecas de vida nas quais deveríamos nos abeberar com mais frequência, até porque - isso é verdade - a lógica do tempo indica que eles irão dos mais novos.

 

Daí que devemos aproveitar esses tempos de pandemia para nos reaproximar, tanto quanto possível, de nossos velhos, cabedais de história e de vida, não esquecendo que desprezar o semelhante pelo tempo vivido, como se descartável fosse, além de desumano, equivaleria a incendiar bibliotecas. 

 

Hoje sabemos que o mundo ficou mais pobre e infeliz, porque, além do mais, bibliotecas não se incendeiam, nem vidas, mesmo as provetas, se desvalorizam.

 

* Waldemar Menchik Júnior

Defensor Público e Escritor

menchikjunior@hotmail.com