Bicicleta com rodinhas

 
É fatal, não tem jeito. Chega um momento em que toda criança quer uma bicicleta. A bicicleta está para infância como o carro está para a juventude - velocidade, independência, controle, autonomia, sociabilização e tudo o mais, está ligado a ela.

Meu neto, o Kauan, não é exceção. Fez cinco anos e ganhou uma bicicleta. Como todos os pais, os dele também são cuidadosos. A bicicleta veio com as rodinhas de apoio para não deixar a criança cair. Coisa inteligente e cuidadosa, mas que me deixa confuso. Se para aprender a ter equilíbrio não se pode ter rodinha, como é que a rodinha pode ensinar a ter equilíbrio?

Seis meses depois, estavam lá, a bicicleta, meu neto e as rodinhas. Perguntei à sua mãe porque não se tirava a rodinhas. Ela me disse que as tirasse o Kauan cairia. Fiquei confuso: se a gente não tira a rodinha para a criança não cair, como é que ela vai aprender a andar sem rodinha?


Como ter segurança para aprender o novo se o novo é novo e eu ainda não o conheço? Meu juízo é: arrisque-se a aprender. Algumas vezes você vai cair, mas isso faz parte do jogo da aprendizagem


O que será que vem primeiro? Essa discussão é longa. No entanto, creio que é preciso enfrentar o desconhecido para construir distinções capazes de sobrepujá-lo. Assim, aí vai meu juízo sobre esse dilema: tire as rodinhas e equilibre-se. Você pode levar alguns tombos, faz parte da brincadeira, mas não use rodinhas. Tenha alguém por perto em que você confie. Peça ajuda e saia de sua região de conforto, mas não use rodinhas.

Arriscar-se é necessário

Somos ensinados a aprender a vida a partir das relações de dependência. Queremos ter segurança para conhecer o novo. 

Novamente, fico confuso com isso. Para mim, isso é semelhante ao caso da bicicleta com rodinhas. Como ter segurança para aprender o novo se o novo é novo e eu ainda não o conheço?
Meu juízo é: arrisque-se a aprender. Algumas vezes você vai cair, mas isso faz parte do jogo da aprendizagem. No entanto, para se tornar um bom "andador de bicicleta", não construa dependências para aprender o novo. A vida requer ser enfrentada a partir da responsabilidade que se assume por novas distinções.

Saindo da região de conforto

Isso nos remnete a alguns princípios.

Primeiro: as coisas que eu não conheço estão fora de minha região de conforto. Para adquiri-las, com consistência, é necessário enfrentar todas as contingências que tais distinções requerem.

Segundo: aprender significa assumir a responsabilidade do fazer. Quando aprendo, faço aquilo que aprendi. Quando se aprende direito, medicina, engenharia, gestão ou outro exemplo qualquer, se é responsável pelas ações decorrentes dessas distinções. Isso ocorre em todas as áreas da atividade humana. Aprender nos remete ao juízo da competência.

Terceiro: a aprendizagem só ocorre quando a atribuição de significado é feita por alguém a quem concedemos autoridade. Isso é, não nos interessamos por coisas que não sejam demandadas por alguém a quem julgamos relevante, do ponto de vista de nossa idetidade emocional. Isso requer a maturidade emocional para saber a quem agradar e a quem dizer não.

 

Aprendemos para fazer melhor, para sermos melhores. Eventualmente dificuldades extras ocorrerão e isso acrescenta aventura à aprendizagem, mas não use rodinhas.


Quarto: aprendizagem é uma distinção que requer dinâmica e movimento. Tal qual andar de bicicleta. Não se consegue andar se a bicicleta estiver parada. Na aprendizagem também. Só se aprender quando conseguimos aplicar (praticar) o que aprendemos. 

Alguém já disse que se sei e não faço, na verdade, ainda não sei.Aprendemos para fazermos melhor, para sermos melhores.

Eventualmente alguma dificuldades extras ocorrerão e isso acrescenta "aventura" à aprendizagem - mas não use rodinhas.

* Homero Reis
Coach
Publicado originalmente no Diário Catarinense.