Buscando o despertar em tempos de transformação
Quais seriam os caminhos mais eficazes mediante os quais o Maçom possa acessar a porta condutora à superação das paixões e à submissão das vontades, e, assim, fazer novos progressos e estreitar os laços de fraternidade?
Esses são os objetivos primeiros apresentados desde a iniciação — e reiterados ao longo de toda a jornada.
Quando fui iniciado, esses imperativos, objeto de estudos pela Filosofia há milênios, me pareceram distantes. Quase inatingíveis. Exigiriam mais do que simples boa vontade.
E, mais além, caso fossem minimamente factíveis, os trajetos para alcançá-los seriam provavelmente estreitos. Especialmente porque dependeriam da capacidade de o indivíduo desenvolver certo domínio sobre a torrente emocional inerente à nossa natureza.
Além desses desafios intrínsecos, soma-se agora um cenário profano em rápida mutação, que torna ainda mais desafiadora a jornada de autoconhecimento e lapidação interior.
Suleyman, proeminente empresário britânico do setor de inteligência artificial (IA), aponta, em recente publicação, inúmeros efeitos, tanto benéficos quanto adversos, decorrentes dessa nova tecnologia.
Na visão do autor, os avanços impulsionados pela IA terão impacto comparável às maiores descobertas da humanidade: como o fogo, a roda, a agricultura e a eletricidade.
Contudo, ele adverte: desdobramentos inevitáveis serão impostos à sociedade.
Enquanto somos seduzidos por uma miríade de inovações, habilidades e saberes se tornarão obsoletos em ritmo acelerado.
Empregos desaparecerão.
Milhões enfrentarão crises de identidade — profissional e existencial.
Essa nova realidade não chega sozinha.
Ela se soma a desafios já presentes:
polarização de ideias
superficialidade nos vínculos humanos
hiperconectividade
escassez de tempo para o ócio criativo
A inteligência artificial, agora acessível a todos — até mesmo como conselheira — ameaça reduzir ainda mais os já frágeis diálogos familiares. Especialmente entre os jovens.
A leitura profunda cede lugar a fragmentos. Vídeos curtos. Textos rasos.
E, nesse terreno instável, emoções intensas florescem: Raiva. Medo. Frustração.
Tornaram-se comuns. Quase normais. Mas não deveriam ser.
Em meio a esse ambiente de incertezas, a Maçonaria nos convida a contrapor os desejos ilimitados, com esforços para despertar a razão.
E assumir um compromisso com valores e propósitos elevados.
Hoje, penso que o ponto de partida para esse trabalho seja o fortalecimento de um recurso essencial: a atenção consciente aos nossos canais perceptivos.
Visão, audição, olfato, paladar e tato são as portas de entrada para a realidade. Mas frequentemente se veem obscurecidos pela desatenção e pelo ruído mental constante.
A conexão entre corpo e mente — e a consciência corporal — são amplamente reconhecidas pela psicologia e pela neurofisiologia, como promotores de bem-estar emocional e físico.
A Teoria Cognitivo-Comportamental propõe a ideia de que sensações físicas, emoções, pensamentos e comportamentos estão interligados. Influenciam-se mutuamente.
Diante disso, surge a pergunta: como desbastar a pedra bruta se não temos clareza sobre as percepções oriundas de nossas faculdades sensoriais?
Como orientar sentimentos e aspirações sem compreender suas raízes e repercussões?
O domínio sobre nossos impulsos, mesmo que parcial, nunca foi simples.
E no horizonte em formação, será ainda mais exigente.
A Maçonaria, nesse contexto, oferece um legado de sabedoria acumulado por incontáveis gerações, voltado ao aperfeiçoamento do ser.
Mas como aplicar, de fato, as ferramentas simbólicas confiadas ao Obreiro?
Acredito, por exemplo, no cultivo de um olhar mais atento.
Um olhar que fortalece a luz interior a cada ingresso em um templo maçônico.
Do mesmo modo, abrir-se à possibilidade de usar a Força — ou determinação — para treinar os sentidos a perceberem a Beleza ao redor, pode despertar a sensibilidade para as interações de toda ordem.
E, nesse processo, desenvolveremos a capacidade de responder com lucidez, em vez de reagir instintivamente.
Assim, adquirimos Sabedoria.
Em tempos de transformações vertiginosas, a tríade Sabedoria, Força e Beleza ressurge como um alicerce indispensável diante do caos.
Sabedoria: a capacidade de discernir o essencial em meio ao excesso de informações e estímulos.
Força: a firmeza interior necessária para sustentar valores e propósitos, mesmo quando tudo ao redor convida à dispersão e ao imediatismo.
Beleza: a sensibilidade de perceber harmonia onde muitos veem apenas ruído. É o olhar que admite o valor do silêncio, da escuta atenta e da presença plena.
Juntas, essas três colunas sustentam não apenas o Templo simbólico, mas também a construção de uma vida mais consciente, resiliente e fraterna.
Sem um ponto final definido, esse caminhar transformador nos capacita a estreitar os laços fraternais de maneira mais genuína.
Pois somente quem se conhece consegue verdadeiramente reconhecer o outro. E é na identificação do semelhante que a verdadeira fraternidade se revela.
Mauro José de Oliveira
Mestre Maçom
A.·.R.·.L.·.S.·. "Novos Tempos" Nº 288
Grande Loja Maçônica de Minas Gerai - (GLMMG)
Oriente de Belo Horizonte.
Referências
A próxima onda: inteligência artificial, poder e o maior dilema do século XXI – Mustafa Suleyman, Michael Bhaskar – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2023.
International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), “Global Reading Habits”.
Terapia cognitivo–comportamental: teoria e prática – Judith S. Beck – 3ª ed. – Porto Alegre: Artmed, 2021.
Terceira e Quarta Instrução de Comp⸫ M⸫ – Companheiro Maçom Gr⸫2 – R⸫E⸫A⸫A⸫, 2023.
Viver a catástrofe total: como utilizar a sabedoria do corpo e da mente para enfrentar o estresse, a dor e a doença / Jon Kabat-Zinn – São Paulo: Palas Athena, 2017.
Aprendiz Maçom Gr⸫ 1 – R⸫E⸫A⸫A⸫, 2012.