Compasso e Descompasso
Dia 29/04 é comemorado, além do aniversário do meu irmão caçula, de sangue, o Dia Internacional da Dança e, como professor de Dança de Salão e Maçom, acredito ter um pouco de conhecimento para afirmar que essas duas escolas têm relações bem curiosas entre si.
Assim como na maçonaria, a dança de salão, com sua rica tradição e simbolismo, pode ser vista como uma metáfora viva, pois ambas são práticas que transcendem a mera aparência exterior e mergulham no universo da disciplina, do respeito mútuo, do aprendizado contínuo e da busca por harmonia. Enquanto na maçonaria cada gesto, palavra e símbolo carrega um significado oculto, na dança de salão cada passo, cada condução e cada pausa possui uma intenção, uma mensagem velada que só é plenamente compreendida pelos iniciados que se dispõem a estudar, a praticar e a respeitar suas regras. Para ambos o aprendizado é constante, pautado pela reflexão, pela leitura, pelo diálogo, pela ausculta de seus pares e melhora contínua de seu repertório. O professor de dança e/ou dançarino que se compromete com a evolução pessoal, não diferente do maçom, entende que o conhecimento não é um destino, mas um caminho que se percorre com humildade.
Há vários pontos de convergência que posso citar, como o coletivismo, paciência e criatividade, entre tantos outros, não quero me estender nesta crônica, assim, irei focar nos três primeiros pontos.
O primeiro é que não há performance individual que se sustente sem a cumplicidade e o diálogo com o outro, seja verbal ou corporal. Em ambos os casos, o ego precisa ser domado, pois o verdadeiro brilho está na sincronia, e não na individualidade exacerbada, pois o crescimento de um deve contribuir para o crescimento de todos.
O segundo é a criatividade, que, por sua vez, surge como fruto do domínio da técnica. Na maçonaria, após internalizar os símbolos e os rituais, o iniciado deve ser capaz de interpretar e aplicar esses conhecimentos com liberdade responsável. Já na dança de salão, a improvisação só é plena quando se conhece e se respeita a estrutura do ritmo e da condução. A liberdade criativa, tanto na Loja quanto no Salão, não é anarquia, mas expressão elevada de uma base sólida.
O terceiro, e, no meu ponto de vista, o mais importante, é a paciência pois tanto o aprendiz maçom quanto o dançarino iniciante devem compreender que os primeiros passos são tropeços, e que o domínio do compasso, do tempo certo, da simbologia e do respeito ao espaço comum não é imediato, é construído com tempo, erro e correção. A impaciência é inimiga da maestria em ambos os mundos.
Entretanto, os mesmos paralelos que aproximam a maçonaria e a dança de salão também revelam pontos de tensão, especialmente quando se observa a distorção de seus propósitos originais. Um dos desvios mais comuns é o imediatismo.
Assim como há maçons que desejam títulos e reconhecimentos sem percorrer os degraus do aprendizado com seriedade, há dançarinos que buscam aplausos e holofotes sem investir no esforço necessário. O resultado é uma superficialidade que empobrece a prática e desrespeita seus fundamentos.
Outro problema recorrente é o desrespeito aos códigos que regem a conduta. Na maçonaria, os rituais e regras não existem para oprimir, mas para estruturar e dar sentido à jornada, e, quando são ignorados ou deturpados, a ordem se perde. O mesmo ocorre na dança de salão: há normas de etiqueta, de espaço, de postura e até de vestimenta que, quando violadas, comprometem a experiência coletiva. Aquele que gira desenfreadamente e invade espaços alheios ou conduz com violência quebra o pacto silencioso de respeito e confiança que sustenta o salão.
Também não posso deixar de mencionar os exageros obsevados tanto em Loja quanto na pista de dança, entre eles o exibicionismo, a vaidade excessiva, o narcisismo e a sede por prestígio, que são males que ameaçam a essência tanto da dança quanto da maçonaria.
O verdadeiro mestre, seja no compasso do tango ou nos degraus da escada simbólica, é aquele que brilha com sobriedade, que lidera com discrição e que entende que o saber é serviço, e não ostentação. Em suma, a dança de salão e a maçonaria compartilham valores fundamentais, já que ambas propõem uma jornada de aprimoramento individual em comunhão com o outro, guiada por códigos simbólicos e pela busca da harmonia. Mas também estão sujeitas a desvios que nascem da vaidade, da pressa, da indisciplina e do desrespeito às tradições.
O desafio comum, portanto, é preservar a essência diante da tentação do brilho fácil e dançar, ou construir, sempre com consciência, respeito e propósito.
Parafraseando uma fala de Rand al-Thor, personagem da série de livros e televisiva "A Roda do Tempo", posso dizer que as duas, maçonaria e dança de salão, são como ter uma fonte inesgotável a sua frente; uma água tão pura e doce, mas que também pode ser venenosa e amarga, sendo preciso saber diferenciar o puro do venenoso, ou as consequências poderão ser desastrosas, pois o conhecimento não se adquire de forma rápida.
Vou concluindo por aqui para não precisar citar nomes, mas deixando todos esses alertas que estão destruindo aos poucos essas instituições.
Feliz Dia Internacional da Dança para aqueles que fazem e respeitam a Dança de Salão como ela é, sem invencionices ou estrelismos pessoais!
Carlyle Rosemond Freire
Irmão Maçom desde 1994; Jornalista e Cronista; Professor de Arte; Mestre em Educação; Algumas Pós, uma delas em Filosofia e História Maçônica. Membro da Academia Maçônica de Ciências, Letras e Artes - AMCLA; Membro Fundador da Academia de Letras e Artes do Grande Oriente de Alagoas - ALAGOA; Membro do Conselho Internacional de Dança - CID / UNESCO; Membro Fundador da Federação Alagoana de Dança Desportiva e de Salão - FEADS; Membro da União dos Escoteiros do Brasil - UEB
Fonte: Revista Cultural Virtual "Cavaleiros da Virtude" - Ano XII - Nº 074