Da escravidão negra à exclusão social

Assim que a maçonaria instalou-se no Brasil, isto por volta do ano de 1.786, ela se viu diante de três grandes desafios contra os quais teve que lutar intensamente, com muita coragem e destemor, para ter reconhecido um de seus mais importantes papeis na construção da história deste país. Tais desafios foram: a independência do nosso território como nação livre, o fim da escravidão negra e a proclamação da república.Através de registros constantes dos arquivos do Museu Histórico Nacional e dos Livros de Atas das Lojas Maçônicas que naquela época já se achavam funcionando, e em cujo status permanecem até hoje, sabe-se que, desde que começou o movimento pelo fim da escravidão negra no Brasil, foram árduos os anos de luta, com muitas desavenças políticas, perseguições, prisões e até mortes, em boa parte, de vultos pertencentes à maçonaria. 

O mencionado movimento, que era desejo não só de todos os maçons, mas também de grande parte da população brasileira, sem dúvida, foi a causa mais difícil já empreendida pela maçonaria brasileira, porque, por trás de sua solução estavam interesses muito fortes defendidos por pessoas de grande influência na economia brasileira e na política, tais como: militares, empresários, comerciantes, industriais, proprietários rurais e poderosos senhores de engenho, que entendiam que a nação não poderia prescindir do braço escravo. 

Desta feita, sabendo da forte resistência que haveria de enfrentar, a maçonaria julgou conveniente, antes de tudo, a sua expansão com a fundação de mais Lojas e a conquista de mais adeptos para os seus Quadros. 

Sempre defendendo os ideais inspiradores da trilogia "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e uma vez definitivamente consolidada a sua presença no território brasileiro, a maçonaria inicia a luta. Funda clubes e jornais, vai a todos os meios de comunicação e começa a pregar a abolição e a difundir seus pensamentos dentro e fora das Lojas Maçônicas. Em discursos e manifestos escritos, os maçons exigem o fim da escravidão.Foi uma arrancada heróica em prol da conquista da liberdade para toda uma raça sofredora, cujas canções sempre refletiam a grandiosidade de sua dor. Três longos séculos de tortura e lágrimas, de humilhação e rebaixamento de uma raça miserável e indefesa, fizeram surgir no seio da maçonaria uma ala de jovens impacientes, que queria ver ainda mais intensificados os trabalhos das Lojas Maçônicas a favor da raça negra. Os maçons começaram então a lutar efetivamente por uma campanha abolicionista que ganhasse corpo rapidamente e que tivesse força capaz de fazer com que o drama contristador em que eram mergulhados os negros neste País, fosse mudado e pudesse acabar com os gemidos e sussurros de dor e sofrimento que vinham do fundo das senzalas e da escuridão das masmorras. Os fatos iam-se sucedendo, não tão rapidamente como era de se esperar, mas aos poucos os sinais da abolição tornavam- se cada vez mais evidentes. 

A primeira província brasileira a emancipar seus escravos foi o Ceará. Ocorreu isso em 25 de março de 1.884, quando governava a província, o maçom e doutor Sátiro Dias. 

Referindo-se ao episódio acima, o mesmo é aqui destacado apenas para deixar registrada a importante participação da maçonaria na abolição da escravatura, a respeito do que escreveu o eminente historiador Gustavo Barroso, um homem cuja postura sempre foi de críticas contundentes à Ordem Maçônica, portanto, pessoa, sem sombra de dúvida, isenta de qualquer suspeita quanto ao que afirma: "Sob a égide da maçonaria, o Ceará libertava seus negros e os das províncias vizinhas, que para lá corriam." (História Secreta do Brasil, vol. III, pág. 328). 

Antes do fim da escravidão negra no Ceará, no dia 04 de setembro de 1.850, graças à influência de notáveis políticos que haviam se tornado maçons, surgiu a lei que proibia o tráfico de escravos. Aquela lei acabou com o transporte de escravos do exterior para o Brasil.
Alguns anos depois, mais precisamente em 23 de setembro de 1.871, surgiu a Lei do Ventre Livre. Com a sua vigência, ficaram livres do processo da escravidão os negros que viessem a nascer no Brasil. Outros dois instrumentos legais importantes ainda haveriam de surgir. Um deles, datado de 25 de março de 1.874, redimia da escravidão os negros que completassem sessenta anos de idade e, finalmente, a Lei Áurea, de 13 de Maio de 1.888, sancionada pela Princesa Isabel, Regente do Império, cujo teor declarava extinta a escravidão negra no Brasil. Foram figuras importantíssimas no alcance dessa grande conquista para os negros e que marcou a história do Brasil, inúmeros e notáveis maçons, dentre eles destacando-se Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva, Salvador de Mendonça, Castro Alves, Rui Barbosa, Duque de Caxias, José do Patrocínio, Deodoro da Fonseca, Joaquim Nabuco, Sátiro Dias, Visconde do Rio Branco e João Alfredo. 

Com o advento da Lei Áurea, os abolicionistas comemoraram a vitória em clima de festa. A imprensa nacional alardeou o feito da Princesa Izabel. Uma euforia fraternal fazia toda a Nação crer que a escravidão tinha mesmo chegado ao fim. Mas não. De fato, ela não acabou e, pior, transformou-se no que modernamente se denomina de exclusão social. É essa classe que hoje oferece aos mais abastados, mão-de-obra como a que os escravos prestavam cujas peculiaridades são, preponderantemente, a base do esforço físico, da dependência, da subserviência, do serviçalismo, assim caracterizada por não exigir grau de instrução, nem capacitação técnica, o que a torna desqualificada, informalizada e com remuneração baixa, portanto, insuficiente para suprir as necessidades básicas de qualquer indivíduo. 

Para os negros daquele Brasil de outrora ficou apenas a sensação de uma falsa libertação, pois continuaram vivendo à margem da sociedade, nos mais baixos níveis de miséria.Quanto aos descendentes negros, a realidade nos revela que pouca coisa mudou, já que continuaram recebendo, de forma velada, o mesmo tratamento, sem chances no cenário da vida, fadados aos caprichos da escravidão branca, bem mais liberal que a outra, porém igualmente cruel, por não respeitar a dignidade humana e impedir que os pobres saiam da pobreza, do analfabetismo e conquistem o direito de empregos mais valorizados, ou tenham ao seu dispor, e com a devida orientação, microcréditos financeiros com baixas taxas de juros, acessíveis e sem burocracia, para empreenderem seus próprios negócios. 

Segundo dados oficiais da União, mais de sessenta por cento dos brasileiros representam as vítimas de uma renda desigual, mal distribuída, pelo que, sem sombra de dúvidas, respondem juntos Governo e Sociedade. 

Governo que detém o poder quase absoluto para redirecionar os rumos da política econômica brasileira, mediante a atração de mais capital estrangeiro como bem de raiz, ou seja, aquele que vem para ficar, para produzir riquezas, abrindo assim mais oportunidades de emprego, mas em vez disso prefere manter as taxas de juros elevadas, intencionalmente, para conter a inflação e continuar estimulando os especuladores internacionais a não desistirem de suas aplicações financeiras no Brasil e mais, seguir em frente com sua política de compra de votos junto à camada mais pobre mediante a distribuição de donativos de pequeno valor, tais como: renda cidadã, vale-gás, cheque-moradia, bolsa-escola, cesta-básica e outros tantos que não são suficientes para melhorar a situação financeira dos que se encontram marginalizados. 

 

Por outro lado, a sociedade que também chama para si parte dessa responsabilidade, por seu preconceito, por seu racismo, por sua discriminação, por ter incorporado aos seus costumes a aceitação da situação desumana em que vivem os brasileiros excluídos, e por assistir a tudo de modo impassível e às vezes, até colaborando com o aumento da miséria em nosso país. 

Anestor Porfírio da Silva

Bacharel em Direito e Ciências Contábeis. Mestre Maçom (Instalado), membro da ARLS Adelino Ferreira Machado de Goiânia-GO.

Publicado originalmente no JBNews - Informativo nº 1001