Democracia e fragmentos da realidade
Num desses contos que circulam pelas redes sociais, recebi um que dizia assim:
“Triálogo problemático entre o psicótico, o psicopata e o neurótico: O psicótico afirma: “2 e 2 são 3!”. O psicopata retruca: “2 e 2 são 3, se eu devo algo a você, 2 e 2 são 7, se você deve algo a mim!”. O neurótico, inconformado, arremata: “Pessoal, não é nada disso! 2 e 2 não são 3, e muito menos são 7! 2 e 2 são 4, mas é isso que me angustia!”. Moral da história: o psicótico e o psicopata vivem ambos fora da realidade, mas o psicopata sempre quer tirar vantagem de tudo. O neurótico vive na realidade, mas esta causa-lhe profunda irritação e angústia”.
Diante dessa história, entre indivíduos psicopatas, psicóticos e neuróticos, por onde andará a verdade em nosso país? Quais são os impactos da guerra de narrativas e de diferentes percepções da realidade em nossa democracia?
Fato é que vivemos numa era em que o povo, sempre o povo, se tornou mero espectador dos acontecimentos. Acontecimentos esses que mais parecem uma obra de ficção surreal, uma novela das oito de mau gosto e que a cada dia nos traz um episódio de descaso e abandono da sociedade à própria sorte. Na prática, é o alargamento do sentido de absurdo, que transforma nossa realidade caótica numa subcidadania banalizada.
A imagem que refletimos é de um país ingovernável, descompromissado com a ordem e o progresso e fadado ao permanente fracasso histórico, satisfeito em ser o eterno “país do futuro”.
Se por um lado assistimos à proliferação de notícias falsas que comprometem as bases de nossa democracia, de outro a desinformação e até a sistematicidade da negação de informação igualmente não colabora com um processo verdadeiramente democrático. E assim, o que assistimos é ao show de retóricas vazias e narrativas incoerentes, onde a verdade fica relegada ao papel secundário.
As redes sociais se transformaram numa praça de guerra, onde se ofende gratuitamente a quem se discorda, pelo simples fato de se discordar. Não há mais reputações inidôneas ou biografias sólidas, tudo é rotulado e caracterizado conforme o compromisso com a ideologia que se professa.
Apenas à título de exemplo, cito o vídeo em que um militante “humanista” se apresenta como veementemente contrário à pena de morte, cabendo uma única exceção, qual seja, o fuzilamento de “fascistas contrarrevolucionários”.
É a ideologização de tudo! É a politização de tudo!
Tem radicalismos para todos os gostos e narrativas falaciosas de todos os matizes. No fundo, no fundo, trata-se de um autêntico “nós contra eles”, dignos de “FlaFlu”, “BaVi” ou “Grenal”.
O debate que se impõe é pelo repensar dessa lógica cega e acrítica de posicionamentos antagônicos extremados, que, em realidade, são a mesma coisa, só que dotados de sinais trocados. Trata-se de verdade universal e insofismável que os extremos se tocam, se tangenciam. É a fatídica soma zero!!!
A necessidade urgente é fazer valer o diálogo verdadeiramente democrático, para não permitir que aquela máxima de Millôr Fernandes, “democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”, continue a prosperar no nosso país.
O povo, sempre ele, é quem continuará pagando pelas consequências. Este é vítima e algoz, ao mesmo tempo. É vítima dos algozes que cria, alimenta, fortalece e elege.
Enquanto debates acalorados e infrutíferos persistem, nossa democracia continua sob o imenso risco de captura pelo narcoterrorismo, pelo crime organizado e pela corrupção sistêmica.
Será que já não passou da hora de se reavaliar profundamente o impacto do poder econômico dessas organizações criminosas e corruptas na proliferação e na eleição de representantes ilegítimos, em nossa combalida democracia?
O grande paradoxo da democracia é que nela residem, concomitantemente, os genes de sua preservação e de sua destruição. Este último, resta evidente quando se vale de mecanismos democráticos para se atingir o poder e de lá atacar a própria democracia que o legitimou. O risco da autocracia se dá em todos os matizes ideológicos!!!
Se não acordamos para esses aspectos, nossa democracia estará fadada a permanecer no status de democracia meramente retórica e na soma zero da subcidadania.
* André Luís Vieira
Advogado
Artigo publicado por: https://www.alertatotal.net/