Discordou de mim? Se prepara para os xingamentos!

 

Debater assuntos, tendo que lidar com opiniões contrárias virou estopim de revolta e palco de xingamentos desenfreados. Tempos de tolerância zero, palavrões e pontapés desgovernados.

 

Ao final de cada texto que a gente encontra hoje na internet, existe a coluna aberta para comentários, algo que poderia ser uma ótima oportunidade para debates e aprendizado mútuo. Por acaso já notaram que, na maioria esmagadora deles o padrão é sempre o mesmo? O comentário que encabeça a lista é referente ao texto, geralmente muito pertinente. O comentário seguinte, refere-se ao comentário anterior, já num tom não muito amigável, meio que dizendo que o comentário anterior não tem nada a ver. Do terceiro em diante, parece que a terceira guerra mundial acabou de ser declarada. É um festival de incapacidades de lidar com opiniões contrárias sem ter que apelar para insultos de todos os tipos, tamanhos, cores e temperos. Entra no meio religião, origem, cor, orientação sexual, status social, peso, filiação partidária, sentimentos nada afáveis sobre a sogra, o cunhado... é uma coletânia de coisas sem pé nem cabeça que culmina numa sensação de que as pessoas não só estão com os nervos à flor da pele, mas também calibradas em tolerância zero. E é esta intolerância que é assustadora! Num instante uma discussão que poderia ser saudável e animada, vira campo de batalha, fogo cruzado, ódio disseminado! É como nas ruas da cidade, se duas pessoas estão vestindo camisas de clubes de futebol rivais, existe uma grande chance de atos violentos explodirem do nada.

 

Hoje em dia, ao que parece, grande parte das pessoas considera que a própria opinião tem que ser soberana em todas as situações e rodas de discussão, sem exceção. Se alguém discordar do gosto ou da linha de pensamento, pronto! Seja quem for que discordar: se mãe, irmã, namorado, melhor amiga da vida (BFF), já está na lista negra. Pode se preparar para ouvir "pérolas" e mais "pérolas", palavras de baixo calão e, em seguida, indiferença implacável por dias, senão para sempre. Quão alarmante este tipo de comportamento se tornou! Como ele transparece egoísmo, imaturidade, falta de empatia, ignorância e nenhum senso de civilidade!

Todo mundo quer falar, se colocar, mas ouvir o outro nem pensar! Se for para ouvir, já é ouvir pensando em rebater toda e qualquer opinião. O importante é ter razão sempre e destronar a do outro à qualquer custo, mesmo que seja ofendendo ou dilacerando os laços de uma relação.

 

A verdade é que, ao invés de gritar, praquejar, dar socos e pontapés, a melhor estratégia é melhorar os argumentos e aprender a reconhecer que opiniões contrárias são apenas outros pontos-de-vista sobre o mesmo tema. Somos todos diferentes, vivemos em diferentes contextos, estamos expostos à experiências diversas, que nos afetam em diferentes formas.

 

Seria tudo tão mais fácil se usássemos mais o humor e menos o calor para reconhecer que nem sempre somos os donos da razão. Que outras pessoas também têm algo importante à dizer que pode servir, aliás e muito bem, como precioso aprendizado para nós.

Ao invés de tentar desqualificar e desmoralizar o outro metralhando-o sem piedade com todas as ofensas possíveis e imaginárias, que tal treinar os olhos e a mente especialmente para observar as coisas num ângulo de 360 graus, de forma multidimencional, ao invés de só dentro de uma caixa ou só se valendo de um tipo de visão limitada chamada "tunnel vision”?

 

Vamos aproveitar a oportunidade de fazer parte destas discussões de um modo saudável, enriquecedor, eclético, divertido, inteligente, democrático, flexível, cordato. Paremos com os insultos em liquidação! Vamos sim celebrar a oportunidade que nos é dada de poder ver o mundo com óculos emprestados por outras pessoas. Nós não sabemos tudo e não somos perfeitos! O maior aprendizado de todos geralmente acontece nas trocas, na comunicação, na humildade de se colocar no lugar do outro e parar para pensar que além da nossa opinião, outras podem sim fazer todo o sentido e caminhar em paralelo. O mundo não vai acabar ou seremos menos respeitados ou queridos se abrirmos espaço para acomodar outras opiniões. Pode acabar sim se persistirmos nestas guerras intermináveis de "barracos cibernéticos" especialmente. Impor implacavelmente nossos pontos-de-vista pode até fazer bem para nosso ego momentaneamente, mas para nossas relações pode deflagrar um desastre de consequências emocionais muito dolorosas a longo prazo, por vezes irremediáveis!

Discordar é um direito, xingar é um defeito! Melhoremos nossos argumentos e destronemos nossos preconceitos. Vamos somar, não subtrair. Vamos nos completar, não nos dividir. Xingar só nos desqualifica, nos prova mentes estreitas e corações rancorosos. Ouvir o que o outro tem a dizer e respeitar sua opinião, mesmo que diferente da nossa, representa evolução e a verdadeira revolução na arte da comunicação.

 

Fonte: https://obviousmag.org/