Dostoievski e a fragilidade humana

Dostoievski, escritor russo, narra em seu romance O Idiota (1869), o momento no qual o personagem principal fica frente a frente com a morte, ao ser condenado por fuzilamento. No entanto, no último instante, as autoridades transformam a pena de morte para prisão e serviços forçados na Sibéria. O escritor descreve que naquela lacuna de tempo, em que os soldados baixaram as armas e um oficial leu a mudança da pena, a vida tinha lhe dado outra chance de percebê-la, de enxerga-la de outra forma. Essas oportunidades ocorrem cotidianamente, especialmente com sujeitos que perdem seus entes queridos ou que escapam da morte, dando-se o direito de refletir sobre sua existência e a fragilidade do ser. A escrita do autor é convulsiva e perturbadora neste romance de 700 páginas. A proposição principal dele é de que um homem bom e puro, de coração compassivo, não consegue viver numa sociedade corrupta, igualando-se aos seus.

A delicadeza humana é de saltar aos olhos. Muitas vezes sobreviver a uma catástrofe ou a um evento cuja a morte ficou a beira do abismo faz se aperceber da vida tal como Dostoievski após a sensação de ter sido devolvido à vida: “Tudo será meu! Eu transformarei cada minuto em outras tantas eternidades! Não desperdiçarei um segundo sequer! Contarei cada minuto que for passando, sem desperdiçar um único!”.

E aí resta a pergunta: será preciso esperar algo acontecer para que vivamos os dias como se fossem únicos? Ou podemos viver o hoje de forma intensa como se fosse único todos os dias? A grande sacada é experimentar todos os dias como se fossem fatais. No entanto, é preciso não confundir viver intensamente com entrar em comportamentos destrutivos. Tais como: relacionamentos violentos ou negligentes, situações de abandono, amigos que te colocam para baixo, compulsões, vícios.

Assim, viver de forma impetuosa está mais ligado a existir da forma como você acredita, a dedicar a quem se importa com você, a fazer as coisas que são essencialmente relevantes para o que você ama, a ter projetos com os quais você se identifica. O hoje é seu para que você possa fazer diferente a cada segundo. Comprometer-se com a sua própria existência: uma das propostas do Carpe diem (aproveite o dia). Na minha opinião, a mais revolucionária é o ato de cuidar de si, de superar todos os dias a si mesmo, seus próprios medos, suas paralisias, seus desconhecimentos, suas falsidades e hipocrisias.

Descobri-se frente ao espelho que tudo vê: a alma nos faz muitas vezes Idiota, repletos de si mas esvaziados de alma. Por isso, essa intensidade pode nos ajudar a encher-se de existência plena, de vida em abundância. Torna-se, assim buscar nossa inteireza numa sociedade, muitas vezes, cheia de superfície. Descobrir quem realmente você é, o que pensa, e que caminhos quer percorrer mesmo que isso signifique errar. O acerto vem com a quantidade de erros que vem tenta. O que vale é buscar aproveitar o hoje e seguir em frente, mesmo que as coisas saiam fora do previsto. Estabeleça seus próprios desafios, mesmo que sejam pequenos. Seu futuro é definido hoje, agora, aqui.

"Vivemos em uma sociedade que nem sempre vê com bons olhos os que têm coragem de tentar novos caminhos". (Dostoievski)

Carla Pepe

Historiadora, poeta, aprendiz de bloqueira. Gosto de filmes, poesia, livros, política, psicologia, sociologia. Penso muito, erro muito também. Amo a vida em sua intensidade, em superfícies não me detenho. Minha voltagem é 440.

publicado em literatura por Carla Pepe.