Em defesa do brincar

Por que muitas pessoas desconfiam do mecanismo natural de aprendizado da criança? Pode parecer estranho ao movimento do Maternal e Jardim de Infância que a idéia do brincar, como tema central e fonte de aprendizado, necessite ser defendida. Entretanto há muita pressão sobre os educadores desta faixa etária (0 a 7 anos) que está conduzindo a uma prática não apropriada, em particular uma introdução formal precoce para a leitura, a escrita e os números. Porque muitos adultos pensam que o brincar é menos valioso e que o quanto antes uma criança seja alfabetizada, melhor! Eu acho que é importante entender o que está por trás da desconfiança sobre o brincar, para estarmos mais habilitados para discutir seu lugar na vida da criança.

Pensar limitado 

Para muitos adultos a palavra brincar significa relaxamento, bagunça e nada de trabalho. Para as crianças, entretanto, o brincar é uma exploração, resolução de problemas, descobertas, investigações, fazer e fazer, e com muita freqüência é realmente um trabalho árduo! Nós, no ocidente, estamos tão acostumados a pensar nos opostos (gordo e magro, alto e baixo, santo e pecador), que a idéia de que algo possa ser trabalhoso e prazeiroso, ao mesmo tempo, é muito difícil de entender. Do mesmo modo, se algo é engraçado não pode ser sério, se é algo fantasioso, não pode ter significado na realidade, mas nada disto é verdade com relação ao brincar. Alguns adultos são temerosos quanto à natureza imprevisível do brincar infantil. Querem controlar as atividades das crianças nas direções que eles consideram conveniente. Sentem-se ameaçados pelo direito da criança em dizer não; por responderem individualmente; por irem em direções alternativas – o que é uma característica essencial do brincar. Outros adultos não conseguem ver como o brincar contribui para aprender coisas que eles pensam ser tão importantes. O que tem a ver brincar com areia e água ou tijolos, com o aprendizado da leitura? Eles pensam que ensinando o alfabeto e os sons fônicos o aprendizado será realizado mais rápida e eficientemente, mesmo sabendo que crianças que lêem fluentemente não foram ensinadas deste jeito. De fato estes adultos pensam que as crianças devem ser ensinadas a aprender, mas os melhores alunos, que obtiveram sucesso, são aqueles que se libertaram da dependência de um professor.

Entretanto eu penso que a razão mais provável porque tanto adultos desconfiam do brincar é porque brincar á algo muito agradável e prazeiroso. Para eles, aprender é trabalho duro e muito sério e o quanto mais rápido a criança aprende, melhor. Tudo o que é imposto, trabalhado sob pressão, é uma perda de tempo e apenas encorajará a criança a ser preguiçosa e comodista. Ignora-se o fato de que as crianças aprendem mais nos primeiros anos de vida – enquanto elas estão livres de pressão externa para serem sérias e trabalharem pesadamente – do que em outro período.

Então o que dizemos aos que nos perguntam: o que as crianças aprendem através do brincar? Podemos começar invertendo a pergunta: o que elas não estão aprendendo através do brincar? No brincar a criança não aprende a:

fracassar, falhar, reprovar;
procurar a resposta certa;
responder como papagaio;
parar de fazer algo porque ainda não consegue fazer certo;
tornar-se espectador ao invés de ser o que é: participante.

Estes são pontos que as crianças aprendem se elas são forçadas precocemente no ensino formal. Nossa sociedade é formada por adultos que não cantam, não dançam, não pintam, não fazem muitas coisas porque sua criatividade foi submergida por força da ênfase nas tarefas do papel e da caneta. E também porque aprenderam, em tenra idade, que não eram “bons” naqueles assuntos.

Por meio do brincar saudável, a criança aprende a se concentrar, persistir, criar, distinguir, cooperar, lidar com o mundo material, com diversas situações e pessoas – tudo o que é vital como base para o aprendizado posterior, na época adequada. É forte a evidência de que um currículo lúdico traz benefícios duradouros, ao passo que o aprendizado formal iniciado precocemente desfavorece muitas crianças. Tal abordagem chega a desviá-las do ambiente escolar ao ponto de tornarem-se adolescentes desestruturados, podendo mesmo chegar a abandonar a escola de vez. Nós precisamos nos lembrar das palavras sábias de Joan Can (educadora infantil) escritas há vinte anos:

“Crianças tem sua infância apenas uma vez. Tire a infância delas e elas a terão perdido para sempre”. Joan Can

Janete Atkin

Tradução: Sílvia Jansen

Fonte: Boletim da Escola Anabá