Entre o Egoísmo e o Altruísmo

O planeta gira, os dias passam e a realidade vai tomando um formato mais agressivo e inóspito para as pessoas.

Basta olhar para os lados para perceber que os indivíduos tornam-se, a cada dia, mais e mais egoístas, mais e muito mais orientados para a busca e o atendimento de seus interesses imediatos, exclusivos, indiferentes ao próximo, utilizando o outro como mero instrumento, escada ou alavanca.

O termo ‘egoísmo’ provém do latim. O radical ‘ego’, eu, primeira pessoa do singular do pronome pessoal latino, e significa algo como amor de si mesmo. Freud adotou o termo ‘ego’ para caracterizar a entidade de que se tem experiência interior, uma integração de percepções sentimentos e pensamentos.

De ‘egoísmo’ derivam, por exemplo, os vocábulos ‘egocentrismo’, que designa aqueles que fazem do próprio ego o centro de seu universo; e ‘egotismo’, utilizado por Stendhal para denominar um tipo especial de estudo, o autobiográfico, aquele em que o escritor se debruça para analisar a própria individualidade física e mental. Mas ‘egotismo’ significa também um egoísmo mais refinado, de certa forma o culto narcisista de si.

Até mesmo o veneno da cobra, quando dosado e aplicado na medida certa, pode salvar e curar enfermidades ao invés de matar. Assim é o egoísmo. Na medida certa é proveitoso, benéfico, salutar, por representar em cada um de nós uma tendência inata de nos preservar e, sobretudo de crescer, evoluir, progredir, nos desenvolver.

Mas o sentido moral da palavra aponta para uma direção bem diferente. Um sentido em que só o que vale e importa é o amor exclusivo ou excessivo a si mesmo, pouco ou nada importando os interesses do próximo. E este é o sentido que parece ter fincado âncoras nas sociedades modernas.

Com o egoísmo sendo cultuado e elevado ao ápice do exagero, tudo passa a ser permitido e estimulado. O que importa é chegar ao outro lado do rio, ainda que pisando, asfixiando e afogando todos ao redor. Nada, rigorosamente nada deve ser obstáculo para que os objetivos sejam conquistados na tão conhecida cantilena de que os fins justificam os meios. Não há limites nem escrúpulos, tudo passa a valer: a mentira, a traição, a conspiração,... Os valores que imperam são a ambição e a inveja. Neste contexto, o outro é sempre um obstáculo, um eterno adversário, um ameaçador concorrente, um perigoso competidor, jamais um colaborador, um leal aliado, um companheiro. Nada de divisão, de solidariedade, de compartilhamento, pois implicaria em acumular menos, em defenestrar o benefício próprio.


Se nesta extremidade o mar é turvo e revolto, na ponta oposta, mares serenos de águas claras e cristalinas dão guarida ao vocábulo ‘altruísmo’, um contraponto capaz de resgatar a virtude e as possibilidades de viver em comunhão, uma palavra aveludada e sonora a confrontar com a sequidão e acidez do termo ‘egoísmo’.

Altruísmo também provém do latim, da raiz ‘alter’ que significa precisamente ‘outro’. Designa o que preocupa e se interessa pelos outros, jamais negando auxílio e ajuda, sendo capaz de abrir mão de seus próprios interesses. Numa extremidade está o egoísta, e na outra, oposta, o altruísta. Se a característica do egoísta é mentir, trapacear, embair e enganar para levar vantagens pessoais; a do altruísta é a generosidade, a nobreza, o amor ao próximo, o caráter reto. É um valor que não cai do céu, não brota em árvores, e não se encontra no mar. Mas que se forja no dia a dia, desde a tenra idade, desde a primeira infância, à medida que crescemos e amadurecemos para a vida.

Os pais devem atinar para a importância de incorporar este valor à personalidade dos filhos. É impossível alcançar a felicidade individual e familiar mantendo-se distante, indiferente ou refugando este valor de todo fundamental para a saúde espiritual e social.

De igual modo, as escolas devem assumir um compromisso explícito de trabalhar mais amiúde esta questão, não só através do ensino formal, mas, sobretudo inserindo esta reflexão nos jogos educativos, e nas atividades lúdicas e artísticas. Porque uma sociedade progressista, fraterna e solidária, onde as oportunidades estejam ao alcance de todos, só se desenvolve de forma sustentável quando conduzida e composta por indivíduos altruístas.


Antônio Carlos Santos 

 

Professor da Universidade Estadual de Goiás e criador das inéditas metodologias (1) de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo (teatromanebeicudo.blogspot.com), e (2) de planejamento estratégico QUASAR K+ (planejamentoestrategicoquasark.blogspot.com). Engenheiro civil e escritor, num blog específico, aglutina os artigos que escreve sobre educação e cultura (culturaeducacao.blogspot.com) Para palestras, debates, ministrar cursos e oficinas, contate o autor: acs@ueg.br