Fila do Leite

 

Vinte e poucos anos atrás, lembro-me bem de quando as padarias (que na época eram as únicas que vendiam pães) tinham filas enormes. Não me recordo exatamente o porque mas se faz em minha mente aquela fila sem fim que durava pouco mais que duas horas.
 
Abria as 5h00 da manhã e já perto das 7h00 não havia mais ninguém na fila. Era uma briga só. Famílias e amigos se enfileiravam para tentar pegar um litro de leite. O leite estava racionado. Um litro por pessoa.
 
Por sorte (ou azar) em nosso bairro haviam duas padarias, portanto aqueles que conseguiam pegar seu primeiro litro de leite, corriam para a outra padaria para tentar comprar o segundo.
 
Como disse, famílias saiam juntas e até mesmo as pequenas crianças ficavam na fila como se não fizesse parte daquela família para comprar mais litros de leite. O medo da escassez era incomensurável. Até calorosas discussões ocorreram, pelos ânimos exaltados daqueles que tinham que permanecer, como o gado, em fila.
 
Uns achavam certo, outros errado. Alguns queriam mais, outros compravam apenas um.
 
Eu, criança, já tinha meus questionamentos.

 

Uma vez, lembro que fui intimado a permanecer na fila, pois já tinha condições de carregar um litro de leite. Meu pai me pediu. Recusei. Não porque tinha que madrugar e ficar em fila antes mesmo da padaria abrir, mas por não acreditar que ali, resolveríamos algum problema.
 
Tinha alguma lei que não permitia a compra de mais de um litro por pessoa. Os adultos achavam esta lei no mínimo ingênua, pois poderiam facilmente sair dali e ir comprar outro leite em outra padaria.
 
Uma vez, um amigo inglês de nome Charles e que nós chamávamos de Carlos, que morava perto de minha residência, me disse, com seu sotaque enrolado:
 
-  Só os brasileiros fazem isso!
   Retruquei:
-  Isso o quê?
- Burlar a lei desta forma! Um inglês nunca faria isso.
 
Poxa! Aquilo ficou em minha mente por anos. Brasileiros têm uma facilidade de burlar as leis. Houve uma vez que ouvi um jovem senhor reclamar que a lei ingênua. Ele mesmo, comprava leite na padaria A e depois partia rapidamente para a padaria B para adquirir mais um saco do composto a base de lactose.
 
Impressionante! Brasileiro e “seu” jeitinho. Sempre encontrando uma maneira de passar por cima do que lhe incomoda. Mesmo que isso traga sequelas a outrem.

O Carlos (inglês), me disse que em seu país, a cultura e educação trariam um problema destes com outra ótica. Lá, os cidadãos colaborariam com os demais e cada um pegaria seu único litro de leite lembrando que se pegassem mais de um, faltaria um para outro cidadão.

Não é vergonha nenhuma colaborar com o próximo. Ainda por cima, colaboram com uma escassez que pode atingir a todos, vendo o problema no macro e não resolvendo seu micro umbigo.

Agora, sei que o Charles foi iniciado na maçonaria em seu (dele) país, mas isso não é mérito ou exclusividade de maçom. É uma questão cultural. É a educação daquele povo. São cidadãos de uma mesma nação. Colaboram uns com os outros. E são estas pequenas diferenças que hoje me fazem pensar.

Aqui, infelizmente, o povo ignorante tem direito a voto e coloca seus representantes sem sequer compreender o que estão fazendo. Evitam com isso estas filas para o leite, pois aquele em que votou tem condições de facilitar a importação de leite, quando nossos produtores brasileiros sofrem com a falta de atenção de nossos dirigentes que fabricam uma carga tributária astronômica impossibilitando de terem um produto com o mesmo preço.
 
A máquina nos traz à falência. Nossos representantes esquecem-se de nós. E, com suas manobras e conchavos permitem que até o mais descarado dos contraventores seja absolvido quando aviltam a possibilidade deste ser excomungado da política.

O Carlos também me mostrou a honra que é colaborar, sem que ninguém precise fiscalizar você. A nobreza em sentir-se bem com a honestidade. Lembro da analogia do pai e filho que foram pescar.

Foram pescar para próprio consumo. Quando conseguiram pescar o primeiro peixe, já de madrugada, havia passado 15 minutos da temporada de pesca. A partir dali (15 minutos atrás) a pesca era proibida. Só viram isso após retirarem o peixe das águas.

O filho perguntou:

PAI, vamos ficar com ele né?

E o pai disse:

Não filho, devolva-o para a água. Já não mais podemos pescar. Vamos embora.

O filho insistiu... Ninguém tá vendo pai. Vamos levá-lo.

E o pai:

Não filho... É justamente na hora que ninguém está vendo que você pode mostrar quem você é de verdade!

EU VOTO! E lembro bem disso. Nas próximas eleições, meu candidato será eleito. Certeza. E, por maioria dos votos.

Escrito por um Brasileiro – Com “B” Maiúsculo!

* Leo Cinezi
Fazendo... Por que já tem muita gente falando...