Giorgio Vasari, o homem que criou a história da arte

No final de sua vida Michelangelo Buonarroti, o mais famoso artista do Renascimento italiano, começou a queimar os desenhos, que considerava meros esboços para atingir sua perfeição estética. Ao eliminar esses desenhos, ele queria que a posteridade, ao pensar no grande Michelangelo, visse uma figura imponente de um gênio insuperável, tão frio e rígido como o mármore com o qual fazia suas esculturas, e cujo processo de criação era quase uma centelha divina.

 

Mas devido à intervenção oportuna de outro artista importante do Renascimento, Giorgio Vasari (1511-74), pintor, arquiteto e escritor, que salvou muitos desenhos da destruição do artista, surge a imagem de um ser humano. 

 

A proteção ao legado dos artistas com quem convivia, assim como a de seus predecessores, tornou-se a obsessão de Vasari. 

 

Em 1550, ele publicou sua obra seminal, Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori, na qual escreveu as biografias dos grandes gênios do Renascimento, com seus defeitos, rivalidades, vícios e excentricidades, tirando-os de seus pedestais e humanizando-os. Masaccio era distraído. Filippo Lippi tinha uma libido insaciável apesar de ser padre. Paolo Uccello abandonou seu trabalho ao servirem queijo.

 

Em The Collector of Lives: Giorgio Vasari and the Invention of Art, um novo livro sobre Vasari, Ingrid Rowland e Noah Charney evitam o interminável debate acerca da veracidade ou não das histórias relatadas pelo biógrafo. Em vez disso, os autores concentram-se no que foi incluído na biografia, como uma forma de descobrir, nas entrelinhas, quem era de fato Vasari.

 

Assim, uma história melodramática de Leonardo da Vinci morrendo nos braços do rei Francisco I da França, lamentando amargamente a falta de devoção à sua arte, revela mais a atitude de Vasari em relação ao seu trabalho do que um suposto melodrama de Leonardo. 

 

Vasari alcançou fama e riqueza por sua rigorosa ética profissional. Sua exigência em cumprir prazos o deixava exausto, mas lhe garantia um fluxo constante de encomendas importantes dos Medici e do papa. Ao ignorar as zombarias dos rivais sobre sua baixa estatura, Vasari criou uma obra elogiada por seus contemporâneos e ficou tão famoso como muitos dos seus biografados. Segundo os autores, sua aparência pouco atraente levou-o a defender Giotto e Brunelleschi, dois homens baixos e feios, lembrando ao leitor que muitas vezes “a terra esconde veios de ouro”.

 

Rowland e Charney descrevem uma visão panorâmica do mundo da arte durante o Renascimento, com Vasari no centro. Ele preservou os esboços de Michelangelo por julgá-los valiosos. Em uma época em que artistas eram em geral anônimos, artesãos sem instrução, ao dar mais importância à grandeza deles do que às suas obras, Vasari criou as bases da história da arte e de como a arte é compreendida hoje. 

 

Na leitura das entrelinhas das biografias os autores fizeram o trabalho excelente de captar a personalidade de um homem à frente de seu tempo e que desempenhou um papel notável na valorização da arte e dos artistas.

 

Fontes: 

The Economist-Giorgio Vasari, the man who created art history