HOMENS LIVRES E DE BONS COSTUMES?

Ser um homem livre e de bons costumes é uma pré-condição para que alguém ingresse na Ordem Maçônica e nela permaneça. Além disso, é uma das colunas morais que balizam a Carta de Princípios Universais, que apresenta os pedreiros e suas oficinas à sociedade e ao mundo. Podemos inclusive afirmar que esse dueto de virtudes anima o espírito de nossos landmarks (antigas obrigações, usos, costumes e tradições, considerados pela maioria dos autores maçônicos como as mais antigas leis).

Pensando estrategicamente, essa sugestiva sentença encontra-se em sintonia com o modus operandi (expressão em latim que significa modo de operação) e modus vivendi (frase latina que significa modo de vida ou meio de viver) que a maçonaria especulativa vem celebrando ad intra (por dentro, interiormente) e ad extra (por fora, exteriormente), nos últimos dois séculos.

Por não ser uma instituição doutrinária, a maçonaria não é signatária de nenhuma ideologia, credo, código moral, prática social, modelo jurídico, sistema educacional e outras formas de vínculos socioculturais. Todos estes, preceptores, por sua vez, de condutas e verdades consensuais, que cimentam nossa malha social. Lugar comum de sobrevivência da imensa maioria das grandes instituições mundiais, destacadamente as mais antigas e cosmopolitas.

Fizemos essa breve reflexão, que já é do conhecimento de muitos, apenas para darmos continuidade a provocação que o parágrafo inicial nos propõe, que diz respeito a necessárias indagações sobre nosso status quo (expressão do latim que significa estado atual) maçônico.
Podemos começar nos perguntando, a partir de quais referências e sob qual contexto definimos o homem livre e de bons costumes, que se enquadra no perfil maçônico? O que significa ser esse homem? Esse perfil ainda existe? É consensual? Responde a contento ao que se espera do maçom nos dias de hoje?

Por outro lado, para que se evite subjetividades, podemos nos contentar com a ficha limpa do maçom como garantia de suas virtudes? Se não existem pendências civis e criminais, esse homem está pronto para a Ordem? É possível, por exemplo, ser maçom e não ser cidadão? Ser maçom e não exercitar a cidadania no seu sentido mais amplo e profundo?

Isto posto, fazemos novamente um pequeno recorte histórico: a visão iluminista sobre o homem, o mundo e a natureza, que edificou a maçonaria especulativa, no século XVIII consegue responder as exigências da sociedade atual? É possível continuarmos as-
sumindo o marco histórico grego do sofista Protágoras que afirma ser o homem a medida de todas as coisas?

Podemos continuar tomando o homem pela humanidade, desconsiderando as mulheres, a diversidade de minorias, o meio ambiente, incluindo animais e a vida vegetal, etc.? E assim, ao usarmos o homem livre e de bons costumes na pergunta, nossas respostas de ontem conseguem iluminar e orientar nossos desafios de hoje, respondendo-os satisfatoriamente?

Destacamos esses dois aspectos da nossa reflexão por entendermos serem os que têm uma visibilidade mais acessível. No entanto, irradiam-se do centro dessas proposições inúmeros questionamentos importantíssimos, alguns bem pouco debatidos por nós ou até mesmo propositalmente ignorados. Supostamente, por não entendermos e/ou não percebermos o nosso
descompasso frente ao multifacetado rosto do mundo que habitamos.

É por isso, portanto, que sugerimos, neste breve tempo de estudos, que iniciemos sem demora esse polêmico debate. Dando um passo, ainda mais entrépido do que estamos acostumados a dar, talvez valha a pena trazer para dentro dessa conversação algumas preocupações que se encontram no coração humanista e progressista da nossa Ordem, todavia, desaquecidos
pela desatualização.

Quem sabe, o território das invisibilidades deva ser atentamente frequentado por nós, mediante a formulação de algumas perguntas: o que não estamos vendo e por quê? O que não estamos ouvindo e por quê? Quem estamos excluindo e por quê? Todas essas perguntas são dirigidas, é claro, a nós mesmos, enquanto partícipes de uma instituição que existe no mundo, com o mundo e para o mundo. Mesmo que esta instituição se refira a este mesmo mundo e aos que o habitam, chamando-os, arbitrariamente, de profanos. Será que esta expressão e o que ela carrega ainda se sustenta nos dias atuais?

Entendemos que um bom tempo de estudos nos entrega mais perguntas do que respostas, encruzilhadas do que caminhos lineares. Mas, acima de tudo, nos permite olhar para o que está posto, dado e comprovado por outros ângulos, partindo de outras referências e, principalmente, nos alertando para os sinais, avisos e exigências que o aqui e o agora nos exige.

Anderson Lima da Silveira
Cadeira nº 02 da "Academia Goiana Maçônica de Letras"
Fonte: Jornal “O Confrade” - Órgão da Academia Goiana Maçônica de Letras
Janeiro/Fevereiro de 2023