Humildade: qualidade iniciática para o maçom

 

 

A linguagem e suas etimologias frequentemente deixam pequenas sinergias fossilizadas, não tanto em seus significados de uso cotidiano, mas nas características predominantes de seus campos semânticos.

 

Como é de esperar, o substantivo humildade também pode nos ensinar algumas curiosidades etimológicas: humildade vem do latim Humilis, por outro lado o substantivo humilhar também vem do latim humillare e ambos os termos, por sua vez, são derivações do substantivo latino humus que significa terra, por essa razão, e em termos etimológicos, a diferença entre ser humilde e humilhar seria que, enquanto na humildade, se mantenha perto do chão por si mesmo, na humilhação é outro que necessariamente o mantém perto do chão. Embora isto me seja curioso sobre isso, não é o olhar que quero que essas palavras sigam, é por isso que deixaremos o que foi dito na história sem mais interesse do que o filológico.

 

Somos muitos os irmãos que vieram aqui arrastando preocupações, ilusões, a insônia de nossas vidas diárias, mas, também a urdidura de nossas ilusões e nossos desejos, por que não reconhecê-lo? 

 

Compartimos hoje este espaço e este momento como ponto de encontro, mas, também como ponto de partida, chegando desde lugares diferentes, em momentos vitais distintos, vindo de caminhos díspares que a vida nos tem feito caminhar para chegar até aqui. 

 

A humildade, no entanto, é algo que nos é comum a todos, um idioma, uma cultura ou uma forma de ver a vida se o preferes

 

Deveria ser comum para todos nós o saber porque fomos despojado de nossos prejuízos ao colocar o avental, relegar a soberba e a inveja, quando colocamos as luvas, valorizar tão somente a qualidade humana quando portamos a esquadro e o compasso, porque isto são os pontos cardeais da maçonaria, porque isso é a base do Templo de Salomão, porque isso é o prisma com o que, ao fim e ao cabo, pretendemos observar o mundo para fazer dele um lugar melhor. 

 

Também, se dizermos que é fácil dizê-lo aqui, aonde observamos o mundo, mas infinitamente mais difícil fazê-lo dia a dia, em nossas vidas quotidianas, onde não somente observamos esse novo mundo, onde somos artífices de sua construção. 

 

É da humildade donde nasce o resto das virtudes, é de saber as nossas limitações, tem donde nasce a força para superá-la, é a humildade o antídoto para soberba, a altivez e a arrogância, é o início para assumir que outros possam nos ensinar que sempre necessitaremos dos outros, que cada dia a vida volta a ser uma nova senda a percorrer, é o início do caminho maçônico.  

 

Às vezes a miséria moral e a podridão da alma nascem em pessoas de confusas aspirações econômicas, sociais, trabalhistas ou materiais já cheias de crer que têm o direito de dar lições a outras pessoas sem lembrar que somos todos aprendizes.

 

 A verdade é que nenhum de nós estamos vacinados contra a desgraça, contra o infortúnio, contra as catástrofes pessoais que nos devolvem ao ponto de partida e para a exigência de que lutemos novamente para tirar uma vida de suas lacunas mais insignificantes, porque, como eu, sabemos que somente sendo humildes, teremos as forças para nos erguer novamente.

 

Honestamente escrevo sem nenhum temor nem reparo que na maçonaria encontrei uma felicidade pessoal impagável, uma felicidade que nasceu não de ter que fazer o que melhor se me dá ou o que faço fora cotidianamente, senão que posso fazer o que mais gosto. Sinto-me afortunado de poder haver aportado meu pequeno grão de areia em cada trabalho, conversação ou ação para com todos os Irmãos. Aqui na maçonaria aprendi a expressar, a transmitir, a sentir… me é fácil escrever sobre as coisas que são importantes, as de atualidade, mas, mais difícil sobre minhas pequenas aflições, sobre o pesar, sobre as dúvidas, sobre a angústia, há a mão do irmão para consolá-lo e elevá-lo em um momento escuro e sombrio, eis a grandeza da Maçonaria: a grandeza desse longo caminho que começa a reconhecer intimamente as fraquezas de si mesmo, reconhecendo que será um longo caminho de auto-construção.

 

Quiça seja muito mais acessível falar de humildade sendo pobre, ou sendo jovem, ou sem ter estudos, sem possuir o êxito social que nos ensina a cobiçar… porque em muitas ocasiões mencionamos a humildade como a virtude de consolação, recordando senão o eufemismo das “classes mais humildes”. 

 

Há realmente aqueles que vêem a vida como uma montanha a escalar, com um pico de sucesso para conquistar e que quando coroam, eles geralmente dão rédea solta à sua arrogância, humilham e importunam escalar acima dos outros, e então se vendem como campeões da virtude. … mas, Irmãos, a humildade não trata disso, a humildade deve presidir todos nossos atos, persistir em nossas vidas desde seu início, mas, também até o seu final com independência do que temos logrado. Como me ensinou um grande amigo e mentor: “a humildade não é escalar o pico da montanha e ficar só e ilhado, é prevalecer aos pés da montanha, com o resto dos homens, nos ajudando, compartindo o bom e o mal”. 

 

Com suas palavras sempre associei ao voo de Ícaro e suas frágeis asas construídas de vaidade e cera, recordo a cada instante que a honra e a humildade são dessas virtudes que fazem grande ao pequeno. 

 

Verdadeiramente, Irmãos, isto que exponho é mais fácil de dizer que de praticar, em muitas ocasiões deixamos de ser humildes quando sua suave melodia se confunde no ruído ensurdecedor do quotidiano; caminhamos embebidos pelos títulos, pelas qualificações, pelas marcas, pelo caro que é isto, pelo que vale aquilo, mais preocupados em ter do que ser…

 

Muitas vezes deixamos de ver a vida e a Maçonaria como o que realmente são: a oportunidade constante de ser seres humanos melhores, de enriquecer a vida dos outros com nossas obras, de dar sentido a tudo o que não tem, através da liberdade, igualdade e fraternidade, para que estes sejam os nossos vestígios neste mundo.

 

 

Antonio Candado Aguado

Tradução livre feita por Juarez de Oliveira Castro