Integração e Tolerância

Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na gênese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias – e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si, mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes – porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes – e o afastamento deles poderá servir de mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque – tenha este de fato decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável em um ser humano.

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza – animais por um lado, racionais pelo outro – e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas dela. Pois que se, por um lado, o “instinto animal” nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que “é natural” só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual…) de que retive uma frase:

“Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção.”

Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos.

Curiosamente, o presidente Obama disse certa vez uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades – nos chamados “Estados de Direito” – a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as “regras da casa” de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável.

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o fato de que mesmo na população mais homogênea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença – e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros – tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os – ou pretender agir sobre nós mesmos – aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo – mas aprende-se.

Paulo M.

Fonte: Blog A Partir Pedra

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