Joana d’Arc – Cavaleira Templária

Jacques de Molay, o último grão-mestre da Ordem do Templo, por ordem de Filipe, o Belo, rei da França, tinha sido queimado numa fogueira, na Ilha dos Judeus, em frente à Praça da Catedral de Notre Dame, no dia 18 de Março de 1314. Mas antes que as chamas o consumissem, ele lançou sobre o rei, a sua família e o papa Clemente V, autoridades que o tinham condenado, uma terrível maldição. O rei e o papa, segundo esta maldição, deveriam estar mortos antes do fim daquele ano. Quanto à família de Filipe, ela seria maldita até a décima terceira geração. Isto queria dizer que essa dinastia de reis franceses não teria paz até que a maldição se cumprisse. Coincidência ou não, esta maldição cumpriu-se integralmente, da forma como previu o sacrificado grão-mestre Templário. Filipe, o Belo, e o papa morreram no mesmo ano, 1314, de forma bastante misteriosa.

Quanto à dinastia de Filipe, o Belo, ela extinguiu-se depressa, pois os seus três filhos, Luís, Carlos e Filipe, morreram jovens e não deixaram herdeiros para o trono. O trono passou para outros ramos da família de Filipe, o Belo, que o conservou até a revolução de 1792, quando o sistema monárquico foi abolido na França. Em 1793, o último rei da dinastia capetíngea, a família de Filipe, o Belo, Luís XVI, foi guilhotinado na Praça da Concórdia, juntamente com a sua rainha, a famosa Maria Antonieta. Este rei era a décima terceira geração dos capetíngeos [1].

Diz uma tradição que quando a cabeça do rei rolou para dentro da cesta, um sujeito vestido de preto, ostentando uma cruz de prata na aba do seu casaco, adiantou-se na multidão que assistia ao macabro espectáculo, molhou o dedo no sangue do rei, levou-o à língua, e disse: ”Jacques de Molay, finalmente estais vingado”.

Assim, os Templários levariam quase cinco séculos para vingar a morte do seu grão-mestre. A Revolução Francesa, segundo esta tradição, teria sido obra de uma conspiração Templária, que a desencadeou através dos seus herdeiros presuntivos, que são os maçons. Verdadeira ou não essa tese, o facto é que a maioria dos líderes revolucionários que derrubaram o “ancién régime” eram maçons.

Seja como for, o facto é que a França, nos quatro séculos que se seguiram à morte de Jacques de Molay, nunca mais teve um longo período de paz. Guerras, conflitos internos, pestes, fome, revoluções, marcaram a história dessa grande nação.

Logo após a morte de Carlos IV, o filho mais jovem de Filipe, o Belo, a França entrou em conflito com a Inglaterra, numa guerra que iria durar mais de um século. Foi a chamada Guerra dos Cem Anos. Esta guerra, que durou de 1337 a 1453, foi marcada pelo surgimento de uma das mais estranhas e carismáticas figuras da história mundial: a menina Joana, conhecida como a Donzela de Orleans, Joana d’Arc.

Joana tinha dezasseis anos quando apareceu, de repente, no Castelo de Chinon, em Fevereiro de 1429, com uma escolta fornecida pelo cavaleiro Jean de Metz, para se encontrar com o pretendente ao trono francês, o Delfim Carlos de Anjou, com uma estranha proposta: que ele lhe entregasse o comando do exército francês para que ela pudesse libertar a França do domínio inglês. Esta promessa, dizia, não era ela que fazia, mas sim Deus que a ordenara fazer isso. Por coincidência, o Castelo de Chinon era o mesmo edifício onde ficava a masmorra em que Jacques de Molay e os seus irmãos da Ordem do Templo ficaram presos durante vários anos, antes de serem levados à fogueira. É evidente que o jovem herdeiro do trono francês não levou a sério a proposta. Mas, estranhamente, logo foi seduzido pelo entusiasmo da jovem e certamente pelo conselho dos seus pares, que rezavam por um milagre que pudesse devolver a França, pelo menos uma chance de recuperar parte do país, quase inteiramente perdido para os ingleses.

Joana d’Arc foi esse milagre. Ela, a frente de um exército reunido às pressas pelo Delfim Carlos bateu os ingleses em várias batalhas e recuperou boa parte dos territórios perdidos para a Inglaterra.

A França voltava a ser uma nação, e mais que isso, ela tinha, novamente um rei da família capetingea, pois Carlos VII, o delfim coroado rei pela própria heroína, Joana d’Arc, era da linhagem dos Anjous, parentes de Filipe, o Belo.

A saga de Joana d’Arc é um típico acontecimento que só pode ser explicado quando se invoca uma força oculta agindo por trás da cena. Não é crivei que uma menina de dezasseis anos, mesmo considerando todo o arsenal de misticismo que envolvia a sociedade da época, tivesse sido capaz de mobilizar uma nação inteira para lutar numa guerra que já se considerava perdida. A França, na altura em que Joana d’Arc surgiu, era uma nação derrotada, sem moral e destruída pelos infaustos acontecimentos que se seguiram à morte de Filipe, o Belo. As dissensões internas que durante mais um século imperaram na sua política, impediam que ela recuperasse o status de principal nação da Europa. Na época, era uma nação governada pelos ingleses e sem qualquer esperança de recuperar a sua independência. Além disso, a peste negra já começava a dizimar a sua população.

Joana d’Arc comportava-se como um verdadeiro cavaleiro Templário no cumprimento de uma missão apostólica. Ela foi, talvez, uma aplicação prática e um renascimento simbólico do “princípio feminino” cultuado pelos Templários. Surgiu como uma espécie de símbolo, um beauséant vivo, estandarte místico sob o qual o espirito Templário seria emulado para lutar e libertar a França do domínio inglês [2]. Por trás dela havia, provavelmente, não a “voz de Deus”, pois não se compreende que Deus possa preferir esta ou aquela nação em proveito de outra e escolher um lado em uma guerra; na verdade, e isto parece-nos lógico, estava a voz do Templo, na pessoa de cavaleiros como Jean d’Aulon, seu escudeiro, e Jean Foucault, um dos seus mais famosos generais [3], e principalmente Giles de Rais, outro dos líderes do seu exército, que muito contribuiu para que Joana fosse vitoriosa nas diversas batalhas que travou.

Giles de Rais (1405 – 1440), rico senhor feudal, barão de Montmorency-Laval, foi um famoso nobre francês que lutou ao lado de Joana D’Arc para expulsar os ingleses da França. Conhecido pelo seu comportamento místico, herético e singular, ele tem muito a ver com a mística Templária. Este cavaleiro, como se sabe, na sua vida secreta dedicava-se a conservar e praticar tradições e cultos secretos, provavelmente adulterados e contaminados de promiscuidade, inspirada por práticas rituais tão em voga na época [4].

Reputado como eficiente soldado e líder militar, a sua amizade com a Donzela de Orleans fez dele um dos seus mais competentes comandantes e fiel e leal amigo. Segundo a tradição, Giles compartilhava das “vozes” de Joana, sendo um dos poucos comandantes que realmente acreditava na predestinação da sua missão.

Depois da prisão de Joana e da sua morte na fogueira, Giles abandonou o exército e retirou-se para o seu feudo em Montmorency, onde fundou uma espécie de Maçonaria negra, na qual se praticavam ritos satânicos, com o sacrifício de crianças e orgias sexuais durante esses sacrifícios. Ficou famoso como mago e feiticeiro. Uma investigação conduzida pela Inquisição comprovou que essa seita demoníaca dirigida por Giles de Rais tinha sacrificado mais de mil crianças. Em consequência ele foi julgado e acabou sendo enforcado. Ele é conhecido hoje como o maior serial killer da história e cognominado o “Senhor das Trevas”. Não obstante, a sua figura ainda hoje é venerada por algumas seitas, ditas satânicas, em vários países da Europa. Algumas tradições atribuem a Giles de Rais o status de Cavaleiro Templário

Assim, é bem possível que a extraordinária experiência de Joana d’Arc seja um eco do Templo destruído. Na verdade, a jovem donzela de Orleans, como ficou conhecida, pode ter sido preparada e doutrinada para agir como uma “voz profética”, da mesma forma que um jovem pastor em 1320, seis anos após a morte de Jacques de Molay, se dizia “instruído pelo Espírito Santo” e saiu pelos campos e cidades da França pregando a chamada Segunda Cruzada dos Pastores. Este acontecimento, que custou a vida de mais de cem mil pessoas, segundo uma tradição muito em voga na época, foi orquestrado por alguns Templários que tinham escapado do auto de fé que levou de Molay e os principais comandantes da Ordem do Templo à fogueira.

Desta forma, Joana d’Arc seria mais uma “voz do Templo” a interferir na História. Tradições compiladas por vários autores dizem que ela se apresentava nas batalhas cavalgando um cavalo branco, segurando um estandarte com a cruz de Cristo (a cruz templária) onde estavam inscritos os nomes de Jesus e Maria, uma clara e insofismável influência dos Templários.

Isto explicaria o empenho com que a própria Igreja se apressou a queimá-la como herege e feiticeira, como dois séculos antes tinha feito com os próprios Templários. E o rei da França, Carlos VII, que a ela devia a sua coroação, nada fez para resgatá-la das mãos dos ingleses. Carlos VII, da família de Anjou, era aparentado com os Capetos, família de Filipe, o Belo.

Joana d’Arc, a cavaleira Templária, o beauséant vivo, o “sagrado feminino”, o Templo revivido e emulado, para dar aos franceses um novo ideal, foi, uma vez mais, traído pela Igreja e pelo rei da França. Vendida aos ingleses pelos próprios franceses, os borguinhões, aliados da Inglaterra, ela foi abandonada pelo rei Carlos VII, a quem ela própria dera uma coroa. Por ironia do destino, o duque de Borgonha, que a vendeu aos ingleses, também se chamava Filipe, o Belo. Coincidências significativas, como dizia Balzac, ou simplesmente a história que se repete, cada vez num grau mais alto da espiral?

João Anatolino Rodrigues

Notas

[1] Os Capetíngeos era a denominação dos reis franceses, a cuja família pertencia Filipe, o Belo. Vem do primeiro rei deste nome, chamado Hugo Capeto.

[2] Beauséant: estandarte pintado em branco e preto utilizado pelos Templários quando entravam em batalha. Tornou-se também um grito de guerra desses cavaleiros ao partirem para um ataque. Simbolicamente, era considerado uma espécie de “filtro” depurador da luz. Na Maçonaria ele foi adoptado no piso das Lojas, e o seu significado é exactamente esse: um filtro que depura a luz do templo, possibilitando a todos os Irmãos compartilhar da sua pureza.

[3] Os referidos cavaleiros eram pertencentes à Ordem do Tosão de Ouro, fundada por Filipe, o Bom, em 1431. Esta ordem repetia, nos seus fundamentos, as Regras dos Templários. Era considerada a sucessora da Ordem do Templo.

[4] Alguns destes cultos também eram atribuídos aos Templários. Eles também foram acusados de sacrificar crianças nos seus rituais, e untar com o seu sangue e gordura os ídolos a quem eles reverenciavam. Isso nunca foi provado, mas ficou a lenda.

Fonte: https://www.freemason.pt/