Maçom, o homem de fé racionada

 

Do ponto de vista religioso, a fé é a crença nos dogmas particulares que constituem as diferentes religiões; todas as religiões têm os seus artigos de fé. Sob esse aspecto, a fé pode ser raciocinada ou cega. A fé cega, não examinando nada, aceita sem controle o falso como verdadeiro, e se choca, a cada passo, contra a evidência e a razão; levada ao extremo, produz o fanatismo. 

Na verdade com fé não há perguntas; sem fé não há respostas. 

Ensinaram-nos que a fé se exercita nos templos e por meio de orações. 

Homem de fé seria o que reza, o que vai à missa, ao templo, pelo menos uma vez por semana. Não se deita nem se levanta sem orar. E continua rogando, rogando, rogando...Porém, ao primeiro obstáculo, prostra-se e abandona a sua fé. 

‘Se Deus quiser; Deus castiga; Deus o proteja; vá com Deus; Deus lhe pague”, são expressões do cotidiano repetidas irracionalmente. 

Aprendemos ao orar o “Pai Nosso” aceitar que seja feita a vontade Dele, mas insistimos em que tudo seja feito de acordo com a nossa vontade. 

Em todos os tempos a Maçonaria afirmou a existência de um Poder Criador a que proclama sob o nome de GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO. Ele é o fundo verdadeiro e único de todas as concepções. 

Tudo o que necessitamos saber é que ELE está sempre presente em toda a parte e o homem que se separa mentalmente de Deus é fraco e desamparado – eis aí o homem – porém, quando olha para o céu, recebe com paciência as vicissitudes e as tribulações da vida, porque sabe que não são senão de curta duração, e devem ser seguidas de um estado mais feliz, suporta com heroísmo e serenidade estranhas provocações e contundentes pedradas, afronta a calúnia e a maldade, a perseguição e o menosprezo dentro de inalterável paciência e indefinível força moral, tem consciência de sua unidade com Deus, - eis aí o verdadeiro Maçom – é superior aos sóis e estrelas, porque com fé “transportam-se as montanhas”. 

Exige-se dos candidatos à iniciação maçônica a declaração de sua fé em Deus. Aquele que negar a existência de Deus, é negado o privilégio da iniciação, sendo o ateísmo uma desqualificação para a Maçonaria. 

Chamamos o Grande Arquiteto do Universo que está sempre a nosso favor, impulsionando-nos, pela lei do determinismo ao crescimento. A lei é o bem, o amor, a calma, a perfeição. A contra-lei é o mal, o ódio, a impaciência, e a imperfeição. Sabemos que o egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver outro, tal é nosso dever nos dias tumultuados que vivemos; mas Deus – Ser absoluto – dá-nos a faculdade de existir para o verdadeiro, para o Belo, para o Bem, tríplice realização do Divino, para amar e progredir, infinitamente. 

Não receamos também admitir nossa dúvida e nossa incerteza. Só aquele que detém a verdade não duvida, e só aquele que reconhece sua ignorância é humilde. Não duvidamos por duvidar, nem por rebeldia contra os que afirmam com arrogância. Duvidar para nós é saber que não se sabe. 

Aceitamos a Maçonaria e uma vez por semana nos encontramos em nossas Lojas, revigorando nossa amizade para em seguida, reencentarmos nossa viagem através das misérias e das loucuras do mundo, falamos dela respeitosamente; entretanto, imobilizamos a mente em questões de tolerância no servir. 

Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século, porque quer se impor e exige abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre arbítrio (em Filosofia, livre arbítrio é a faculdade da livre determinação da vontade humana e sua capacidade de escolha entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, conscientemente conhecidos). 

A incredulidade de São Tomé de que nos fala a Escritura, não é mais que a metáfora com que se nos quer advertir que a fé, isto é, aquela que salva, a que conduz à Verdade, seja iluminada pela razão e se apóie na convicção da consciência. 

A fé raciocinada, a que se apóia sobre os fatos e a lógica, não deixa atrás de si nenhuma obscuridade; crê-se porque se está certo, e não se está certo senão quando se compreende; eis porque ela não se dobra; porque não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade. 

Aprendemos que a lei é o bem, o amor, a calma, a perfeição. A contra-lei é o mal, o ódio, a impaciência e a imperfeição. Que o egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. 

Destruir um e desenvolver outro., tal deve ser o objetivo de todos os esforços do homem, se ele quer assegurar sua felicidade neste mundo, assim como no futuro. 

A Maçonaria não nos inspira a ter certeza, mas a ter fé. Fé raciocinada, é o que nos recomenda a todo o momento. Se nos recomenda a fé é porque não pretende que estejamos certos do que é a verdade. Reconhece nossa dúvida, nossa ignorância, e, diante dela recomenda, não a certeza dos fanáticos, mas a fé raciocinada (a única que existe de fato) para evitar a crença cega que muitos denominam fé. 

Fé cega não é fé verdadeira, mas auto-engano ou ingenuidade. Esforcemo-nos, portanto, para solidificar nossa fé nos pilares da razão, da Ciência, da experiência. A humildade em reconhecer a nossa ignorância e a fraqueza de nosso raciocínio nos aproxima mais das virtudes divinas do que uma suposta sabedoria. 

Fé raciocinada é privilégio de uma pequena parcela dos seres que habitam a Terra. È preciso antes que o homem aprenda a raciocinar, para só depois chegar a uma fé racional. 

Meus caríssimos Irmãos! Muitas vezes se tem dito que a Maçonaria não adota e nem impõe qualquer crença religiosa, qualquer sistema filosófico. Sua fé, imutável e universal, é a Fé na Razão e na Consciência do homem. 

Quando a razão reconhece uma verdade como certa, a Maçonaria ensina que essa concepção humana corresponde a uma realidade. Quando a consciência reconhece uma Verdade Moral, a Maçonaria ensina que ela deve merecer a mesma certeza que as verdades de ordem material. 

Por isso que a Maçonaria não pode e não irá ainda em nossos tempos tornar-se uma doutrina de massas. É preciso que as pessoas estejam antes aptas a reconhecer os próprios limites de sua humanidade, suas faculdades e predisposições mais íntimas, para só então compreender a incerteza contida no conhecimento de si mesmos. Com isso queremos dizer que só quando os homens se conhecerem um pouco mais saberão o bastante para se entregar, como ato de coragem e não de desistência, ao desconhecido que nos chama. 

Despido do orgulho de sua suposta sabedoria, o homem tem tempo para encontrar dentro de si a chama eterna, embora muitas vezes ofuscada, de uma predisposição inata que o liga ao Bem, ao Perdão e ao serviço da fraternidade, sendo dele constante em elogiar seus Irmãos. 

Somos na Humanidade os membros de uma só família, na obrigação de amparo e defesa recíproca, mas nem sempre cumprimos o dever de solidariedade. 

Devemos assistir a todas as reuniões e, quando, por doença ou por imperioso empecilho não possamos comparecer, comunicaremos ao Venerável Mestre, enviando-lhe, ao mesmo tempo, o óbolo para o Tronco de Solidariedade, pois nunca nos esqueçamos que a coleta em auxílio dos necessitados é obrigatória. 

Quantos fazem de suas Lojas verdadeiros redutos de “hostilidades cordiais”, em discussões vãs e irritantes nas quais se combatem mutuamente, à distância do entendimento e do perdão. Não guardam a benção da igualdade entre si. Transformam os elos da irmandade em teias grossas de egoísmo, dentro das quais se encarceram. Somente acreditam na VERDADE e aceitam-na, se os seus interesses imediatos, mesmo quando mesquinhos, não são prejudicados. 

A fé para ser proveitosa, deve ser ativa; tem, pois, tudo de bom e de belo, em sua pureza e em sua racionalidade. 

Amemos a Deus, mas sabendo porque o amamos; cremos em suas promessas, mas sabendo porque nelas cremos. 

Por isso, devemos despir-nos das ilusões de erudição e intelectualidade, depositando nossa fé simples, na grandeza que pressentimos pelo coração, sem desprezar o que entendemos pela razão. Que a inteligência nos aponte o caminho, e a moral nos dê a força para caminhar. 

Permita-nos o Grande Arquiteto do Universo, resplandeça para todos que nos cercam, a harmonia e o amor, pois só dentro destas Leis nos tornamos seres livres, iguais e fraternos. Livres que devemos ser qualquer que seja nosso destino e nossa situação. Basta que o homem se julgue livre para que possa ser como tal; iguais pela maneira que devemos tratar aqueles que nos são semelhantes; e fraternos quando apertamos a mão de alguém necessitado de misericórdia e justiça. Assim compreenderemos a justiça, praticaremos a lei de Deus e, com fé raciocinada, e todos os povos serão realmente Irmãos! 

Valdemar Sansão

Publicado originalmente no JB NEWS Nº 129