Maçom - prática de vida

Iniciação e vida maçônica não são temas novos no contexto da Maçonaria Universal. Qualquer internauta nos sites de busca e qualquer pessoa poderão constatar que na internet, livrarias e revistarias podem facilmente ser encontrados milhares de páginas versando sobre os temas. Então, poderá o leitor indagar: por que escrever [e por que ler] sobre temas tão trivializados nos meios de comunicação maçónicos e profanos? Para ser sincero, faltam-me argumentos mais convincentes. Diria apenas: fui impulsionado automaticamente a acreditar que não seria despicienda mais esta leitura.

Espero que o leitor fique convencido de que a Maçonaria é uma escola diferente de todas as demais, seja pela sua condição de sociedade iniciática, seja porque os seus ensinamentos primários [e complementares] são sempre renovados para que o Maçom não se dê ao luxo de deixar cair no esquecimento a arte do desbaste da Pedra Bruta, da prática das virtudes preconizadas pela instituição e dos estudos dos símbolos que visam fazer-lhe encontrar o caminho para uma vida elevada moral e espiritualmente. Não é sem razão que muitos maçons se consideram “eternos aprendizes”. O que este pequeno ensaio pretende é ser um ponto de luz focado na iniciação e vida maçónica, para lembrar, ao final, que a iniciação real só pode ser conseguida por aquele que vencendo as suas paixões, se torna o seu próprio guia, mestre e iniciador na Arte Real.

Pontos de Luz
A iniciação maçónica, primeiramente, pode significar a morte do corpo “material” e fluídico do candidato, no sentido de transformação e regeneração, para renascer com atributos novos, sem deixar de ser o eu que era antes da iniciação. Transformado pela iniciação, todos os seus hábitos mudam, os seus gostos, a sua linguagem e até o seu carácter progridem. Morrer, como disse Victor Hugo, “não é morrer, mas simplesmente mudar-se”. Numa frase, o candidato profano morre para renascer Maçon, sendo sempre, no entanto, o mesmo indivíduo, porém transformado pela iniciação maçónica.

Sem pretender ser redundante ou querer ensinar “pai nosso” a vigário, ousaria dizer que candidato é aquele que aceita ser submetido ao processo iniciático, sendo, portanto, distinto de postulante, recipiendário, aspirante e neófito. O iniciado é o que tem conhecimento dos mistérios e segredos maçónicos. A iniciação é o início do processo de educação no qual o iniciado progride espiritual e moralmente em si, pelo seu pró­prio esforço, intelecto e faculdades imanentes. Carácter pode ser entendido como tendências, padrões e repertório aprendido de contextos que definem um indivíduo. Renascer é a ideia de que se sobrevive à morte; de que há uma continuidade da essência que transmigra de um nascimento a outro e que essa essência não pode morrer, ainda que as formas pereçam.

Em termos maçónicos, renascer é o objectivo da iniciação maçónica. Narra a Bíblia [Gn. 28:5] que Jacob, ao sair da casa de seu pai Isaque em direcção de Haram, descansou em certo lugar usando como travesseiro, uma pedra. Dormiu e viu em sonhos uma escada posta sobre a terra e com a sua extremidade tocando no céu, por ela os anjos de Deus subiam e desciam. No cimo da escada encontrava-se o Deus adorado pela sua família, que lhe disse: “eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaque. Esta terra em que estás deitado, eu a darei a ti e à tua descendência”. Ao acordar, tomou a pedra, erigiu-a em coluna, derramou azeite sobre ela e chamou aquele lugar de Bétel. O primeiro passo do iniciado retrata, consciente ou inconscientemente, o sonho de Jacob.

Jacob é o pai do povo escolhido. O Livro de Génesis tem um quarto do seu volume dedicado à sua biografia. As evidências bíblicas e arqueológicas provam a sua existência. Era irmão gémeo de Esaú, filho de Isaque, a quem iludiu para receber o direito de primogénito, vez que nascera agarrado ao calcanhar de Esaú, e por isso, a este caberia as possessões paternas. Haram era um importante centro comercial bem como um distrito agrícola e pastoril muito fértil. Bétel é hoje a moderna Tell Beitin, a dezanove quilómetros de Jerusalém e o exacto local do sonho é Burg Beitin, um pouco a sudeste de Tell Beitin.
A Escada de Jacob significa o caminho da Divindade e, maçônicamente falando, representa o caminho da perfeição, daí ser representada no painel da loja de aprendiz e se dizer que ele depois da sua iniciação colocou o pé no primeiro degrau da Escada de Jacob, ou seja, deu o primeiro passo no caminho do seu aperfeiçoamento moral. Na sua escalada rumo o topo da Escada de Jacob, recebe o Maçon, um cabedal de ensinamentos e orientações. As instruções para loja de aprendiz, contudo, não são uniformes em todos os sistemas e ritos.

A variedade, entretanto, não desfigura o processo evolutivo do aprendizado, vez que ensina a moral, explica os símbolos, indica a passagem da barbárie à civilização e dirige à afirmação e o reconhecimento humano pelo Grande Arquitecto do Universo, fazendo conhecer os princípios fundamentais da maçonaria filosófica, as suas leis, os seus usos e costumes, enquanto predispõe o neófito à filantropia e aos estudos maçónicos [Bastos, 1929].

Nada mais emblemático do que a alegoria do aprendiz com o maço e o cinzel nas mãos, imaginando como e por onde começar a desbastar a pedra bruta de modo a torná-la apta para o justo e perfeito encaixe na construção do edifício maçónico no seu templo interior. Entretanto, se tiver o discernimento de que o primeiro grau do simbolismo maçónico é consagrado à fraternidade, tendo como objectivo principal a união com toda a humanidade, a sua tarefa será menos árdua, ainda que trabalhe do meio-dia à meia-noite todos os dias. Destaquei a expressão consagrado à fraternidade por algumas razões óbvias, uma das quais faço questão de rememorar aqui. A palavra fraternidade constitui de per si a parte mais bela da maçonaria e representa o programa de toda ordem social que se realiza no ideário maçónico.

A fraternidade, na rigorosa acepção do termo resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa; devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. Considerada do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha: é a base. Sem ela, não poderia existir a igualdade nem a liberdade. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é consequência das duas [Kardec, 1858]. Para Manoel Arão não era possível a existência de uma moral maçónica sem a cooperação da solidariedade e da fraternidade [Arão, 1926]. Destaco as palavras do Irmão Murilo Juchen que em comentários prévios a este artigo declarou: “Teu escrito toca pontos fundamentais e que, algumas vezes, são esquecidos ou mesmo nunca aprendidos por alguns daqueles que abrigamos nos nossos templos. Na minha humilde opinião, baseando-me na sequência iniciática dos graus simbólicos, acredito que a Fraternidade é o resultado supremo e o coroar final da caminhada Maçónica”.

Complemento com as sábias palavras de J. Herculano Pires: “Quem nesta vida quiser aproximar-se da perfeição moral, deve extirpar do seu coração todo sentimento de egoísmo, porque, o egoísmo é incompatível com a justiça, o amor e a caridade; ele neutraliza todas as outras qualidades” [Pires, 2005] e virtudes maçónicas. Do primeiro ao segundo degrau da Escada de Jacob, o Aprendiz fará uso de apenas duas ferramentas – o maço e o cinzel – indispensável para desengrossar a pedra bruta. Mais tarde ao passar da perpendicular para o nível, ou seja, de aprendiz a companheiro e daí até alcançar o grau de Mestre Maçon, outros instrumentos como o nível, a perpendicular, a alavanca, a régua, o compasso, o esquadro, o lápis e a prancha de traçar, ser-lhe-ão apresentados, e então compreenderá que aprender é uma tarefa para sempre inacabada. A “pedra” revela-se assim, como sendo o próprio Maçom.

Vida Maçónica
Agora convêm examinar, sumariamente, os passos seguintes ao de aprendiz no contexto simbólico da marcha do recém-iniciado na vida maçónica. Primeiro como aprendiz, estuda, pratica e observa. Como companheiro, analisa e compara os conhecimentos até então adquiridos. Por fim, como Mestre, ou como aquele que se presume no pleno conhecimento da Arte Real, aplicará aquilo que observou na primeira etapa e analisou na segunda, pautando a sua vida maçónica pela precisão da régua, pela rectidão do esquadro e quantificando as coisas e pessoas pelo valor do raio e o diâmetro do compasso. Dito de outra forma, ele aprenderá a usar as ferramentas necessárias à transformação da pedra bruta em diamante perfeitamente lapidado. Esta é a “obra perseguida” com a iniciação: converter o espírito grosseiro do humano comum num espírito esplêndido [Beck, 2005].

Muito tem sido dito sobre os rituais de iniciação de aprendiz e de conduta maçónica. Tudo é repetido à quase exaustão, mas é exactamente a repetição que faz a tradição, e esta, é unânime em afirmar que uma iniciação bem planejada e executada marca para sempre o iniciado, interna e externamente. Tem-se, assim, que a iniciação se processa dualmente, pois concretiza-se de forma interna e externa simultaneamente. Esta ocorre no templo físico, exotéricamente, à vista de todos. Aquela ocorre no recôndito do ser, esotericamente, no templo interno.

Também precisa ser dito e repetido à quase exaustão, o facto de que uma cerimónia de iniciação bem encenada marca o candidato para uma boa vida maçónica. Parafraseando Capra, diria que uma iniciação bem encenada funciona como um ponto de mutação. Ainda parafraseando Capra, diria que a iniciação representa a reconciliação da alma humana e da alma maçónica e o futuro que está para acontecer [Capra, 1997], deixando para trás o drama sartriano da dúvida estabelecida entre “ser objecto ou sujeito de mudança”. A vida maçónica ideal só poderá ser alcançada por aqueles que vivenciando a experiência da iniciação sejam, simultaneamente, objecto e sujeito de transformação no primado da vida e do conhecimento [senão absoluto, mas perfectível] das “coisas” e “interesses” da Maçonaria. Por isto, os maçons trabalham sobre si mesmos, procurando desenvolver valores espirituais e amplificar as suas potencialidades mentais, de maneira a conseguir que os seus actos pessoais sejam produtos de uma análise coerente e lógica, úteis tanto para eles como para a comunidade em que vivem [Beck, 2005].

Conclusão
Por evidente conclusão nesta curta e rápida exposição, diria que não existem segredos na Maçonaria para aqueles que se propõem investigar, estudar, analisar, frequentar lojas, construir e processar o cabedal informativo-cultural maçónico; mas para os que não se importam com isto, tudo que disser respeito ao Maçon, maçonaria, iniciação e processo de ensino-aprendizagem moral e espiritual maçónicos não terá qualquer sentido. 

Tudo lhe será misterioso e mergulhado em segredos.
Para estes a maçonaria e os irmãos serão sempre um fardo pesado para suportar, embora à frente esteja a mais clara luz de tudo que existe. Tenho comigo que muitos iniciados permanecem inteiramente profanos [depois da iniciação não melhoram e podem até se transformar em anti maçons] ainda que permaneçam Maçon e, por esta razão, muito dos conhecimentos que circulam no meio maçónico e no seio da maçonaria acontece à margem do conhecimento e pensamento de muitos maçons, dos seus dirigentes e até mesmo em contradição com eles, pois, guardadas as devidas proporções, a Maçonaria se assemelha ao mar. 

Rejeitam tudo o que com ela não se amalgama e fundem-se, e a maré encarrega-se de levar à terra os corpos estranhos, assim também os destroços da Iniciação [Aslan, 1975]. 

E por fim, repita-se: a iniciação real só pode ser conseguida por aquele que vencendo as suas paixões torna-se o seu próprio guia, mestre e iniciador na Arte Real.

Luiz Gonzaga da Rocha