Maçonaria Adonhiramita

Das inúmeras controvérsias que surgiram de meados até perto do final do século XVIII no continente da Europa, e especialmente na França, entre os estudantes de filosofia maçônica, e que tão frequentemente resultaram na invenção de novos Graus e no estabelecimento de novos Ritos, não menos importante foi aquele relacionado com a pessoa e caráter do Construtor do Templo. A pergunta:“Quem foi o arquiteto do Templo do Rei Salomão?” foi respondida de forma diferente por diferentes teóricos, e cada resposta deu origem a um novo sistema, um fato de nenhuma maneira surpreendente naqueles tempos, tão férteis na produção de novos sistemas maçônicos. A teoria geral era então, como é agora, que este arquiteto foi Hiram Abif, o filho da viúva, que tinha sido enviado ao rei Salomão por Hiram, rei de Tiro, como um presente precioso e, como um operário curioso e astuto.

Esta teoria era sustentada pelas declarações das escrituras judaicas, na medida em que jogavam alguma luz sobre a lenda maçônica. Era a teoria dos Maçons Ingleses desde os primeiros tempos; foi enunciada como historicamente correta na primeira edição do Livro das Constituições  1  ; continuou desde então a ser a opinião de todos os os maçons ingleses e americanos; e é, até hoje, a única teoria adotada por qualquer maçom nos dois países que tenha uma teoria sobre o assunto. Esta é, portanto, a fé ortodoxa da Maçonaria.

Mas tal não era o caso no século passado no continente da Europa. No início, a controvérsia surgiu não quanto ao homem em si, mas quanto ao seu nome adequado.

Todos concordavam que o arquiteto do Templo era aquele Hiram, o filho da viúva, que é descrito no Primeiro Livro dos Reis  2  e no Segundo Livro de Crônicas,  3  como tendo vindo de Tiro com os outros operários do Templo que haviam sido enviados pelo rei Hiram a Salomão. Mas uma parte o chamava de Hiram Abif, e a outra, admitindo que o seu nome original era Hiram, supunha que, em consequência da habilidade que ele tinha exibido na construção do Templo, ele tinha recebido o afixo honroso de Adon, significando, Senhor ou Mestre, de onde seu nome se tornou Adonhiram.

Havia, no entanto, no Templo outro Adoniram de quem será necessário, de passagem, dizer algumas palavras, para melhor compreensão do presente assunto.

A primeira notícia que temos deste Adoniram nas Escrituras está no Segundo Livro de Samuel,  4  onde, na forma abreviada do seu nome, Adoram, diz-se ter ele sido sobre o tributo na casa de David; ou, como Gesenius, uma grande autoridade em hebraico o traduz, prefeito do serviço de tributos, ou, como poderíamos dizer modernamente, principal coletor de impostos.

Sete anos depois, vamos encontrá-lo exercendo o mesmo cargo na casa de Salomão; pois é dito em I Reis (4: 6) que Adoniram, “o filho de Abda, estava sobre os tributos”. Por último, ouvimos dele ainda ocupando o mesmo cargo na casa do rei Roboão, sucessor de Salomão. Quarenta e sete anos depois de ter sido mencionado pela primeira vez no Livro de Samuel, sob o nome de Adoram, Primeiro Reis (xii, 1s), ou Hadorão, II Crônicas (x, 18), ter sido apedrejado até a morte, enquanto no cumprimento de seu dever, pelo povo, que estava justamente indignado com as opressões de seu mestre.
As lendas e tradições da Maçonaria que ligam este Adoniram ao Templo em Jerusalém derivam seu apoio de uma única passagem no Primeiro Livro dos Reis (v, 14), onde se diz que Salomão fez uma conscrição de trinta mil operários entre os israelitas; que ele os enviou em grupos de dez mil por mês para trabalho no Monte Líbano, e que ele colocou Adoniram os supervisionando.

Os criadores de ritual da França, que não eram todos estudiosos de hebráico, nem bem versados na história bíblica, parecem às vezes ter confundido dois personagens importantes, e ter perdido toda a distinção entre Hiram o construtor, que tinha sido enviado da corte do rei de Tiro, e Adoniram, que sempre tinha sido um oficial da corte do rei Salomão. Este erro foi ampliado e facilitado quando eles prefixaram o título Aden, isto é, senhor ou mestre, ao nome do primeiro, tornando-o Aden Hiram, ou o Senhor Hiram.

Assim, por volta do ano 1744, um certo Louis Travenol publicou em Paris, sob o nome de Leonard Gabanon, uma obra intitulada Catecismo dos Maçons, ou o Segredo dos Maçons, em que ele dizia:

“Além dos cedros do Líbano, Hiram fez um presente muito mais valioso a Solomão, na pessoa de Adonhiram, de sua própria raça, filho de uma viúva, da tribo de Naftali. Seu pai, que era chamado Hur, foi um excelente arquiteto e artífice de metais. Salomão, sabendo de suas virtudes, de seu mérito e de seus talentos, distinguiu-o com a posição mais eminente, encarregando-o da construção do Templo e da superintendência de todos os trabalhadores”.  5

A partir da linguagem desse extrato e da referência no título do livro a Adoram, que sabemos foi um dos nomes de coletor de impostos de Salomão, é evidente que o autor do catecismo confundiu Hiram Abif, que vinha de Tiro com Adoniram, filho de Abda, que sempre viveu em Jerusalém; isto é, com a ignorância imperdoável da história das escrituras e tradição maçônica, ele supôs serem os dois uma e a mesma pessoa.

Não obstante este erro literário, o catecismo tornou-se popular junto a muitos maçons daquela época, e assim surgiu o primeiro cisma ou erro em relação à Lenda do Terceiro Grau. Em Salomão em toda a sua glória, uma exposição Inglesa publicada em 1766, Adoniram toma o lugar de Hiram, mas este trabalho é uma tradução de uma obra francesa semelhante e, portanto, não se deve argumentar que os maçons ingleses já tinham esta visão.

Por fim, outros ritualistas, vendo a inconsistência de se referir à personagem Hiram, o filho da viúva, como Adoniram, o cobrador de impostos, bem como a impossibilidade de conciliar os fatos discordantes na vida de ambos, resolveram cortar o nó górdio, recusando qualquer posição maçônica ao primeiro, e fazendo o último, sozinho, o arquiteto do Templo. Não se pode negar que Josephus (8: 2) afirma que Adoniram, ou, como ele o chama, Adoram foi, bem no início do trabalho, colocado na supervisão dos operários que preparavam os materiais no Monte Líbano, e que ele fala de Hiram, o filho da viúva, simplesmente como um artesão hábil, especialmente em metais, que só tinha feito todos os trabalhos mecânicos sobre o Templo de acordo com a vontade de Salomão.  6 Esta aparente cor de autoridade para as suas opiniões foi prontamente reivindicada pelo Adonihramitas, e daí, um dos seus mais proeminentes ritualistas, Guillemain de Saint Victor,  7  propõe sua teoria da seguinte forma: “Todos nós concordamos que o grau de Mestre é baseado no arquiteto do Templo. Agora, a Escritura diz de forma muito positiva, no versículo 14 do capítulo 5 do Terceiro Livro dos Reis, que tal pessoa foi Adonhiram. Na Septuaginta, a tradução mais antiga das Escrituras Hebraicas, os dois livros de Samuel são chamados Primeiro e Segundo de Reis. Josefo e todos os escritores secretos dizem a mesma coisa, e, sem dúvida, o distinguem de Hiram de Tyro, o artífice dos metais. Portanto, aquele é Adonhiram, então, que somos obrigados a honrar.

Havia, portanto, no século XVIII, desde cerca de meados até perto do final dele, três escolas de ritualistas maçônicos que estavam divididos em opinião sobre a identidade deste Construtor do Templo:

Aqueles que supunham ser ele Hiram, filho de uma viúva da tribo de Naftali, a quem o rei de Tiro, tinha enviado ao Rei Salomão, e quem eles designavam como Hiram Abif. Esta era a escola original e mais popular, e que agora supomos ter sido a ortodoxa.

Aqueles que acreditavam ter sido este Hiram que saiu de Tiro o arquiteto, mas que supunham que, em consequência de sua excelência de caráter, Salomão lhe dera o nome de Adon, Senhor ou Mestre, chamando-o Adonhiram. Como esta teoria não era totalmente sustentada por história da Escritura ou por tradição maçônica anterior, a escola que a apoiava nunca se tornou importante ou popular, e logo deixou de existir, embora o erro no qual se baseia seja repetido em intervalos por erro de algum ritualista francês moderno.

Aqueles que, tratando deste Hiram, o filho da viúva, como uma personagem secundária e sem importância, o ignoravam totalmente em seu ritual, e afirmavam que Adoram, ou Adoniram, ou Adonhiram, como o nome era grafado por esses ritualistas, o filho de Abda, o coletor de tributo e o superintendente da conscrição sobre o Monte Líbano era o verdadeiro arquiteto do Templo, e aquele a quem todos os incidentes lendários do Terceiro Grau da Maçonaria se referiam.

Esta escola, em consequência da audácia com que, ao contrário da segunda escola, recusava qualquer compromisso com a parte ortodoxo e assumia uma teoria totalmente independente, tornou-se, por algum tempo, um cisma importante na Maçonaria. Seus discípulos atribuíam aos crentes em Hiram Abif o nome de Maçons Hiramitas, adotadas como a sua própria denominação diferenciadora dos Adonhiramitas, e tendo desenvolvido o sistema que eles praticavam em um rito peculiar, chamaram-no Maçonaria Adonhiramita.

Quem foi o fundador original do rito da Maçonaria Adonhiramita, e em que momento precisa ela foi estabelecida pela primeira vez, são questões que não podem agora ser respondidas com qualquer certeza. Thory não tenta responder a nenhuma delas em sua Nomenclatura dos Ritos, em que, se algo era conhecido sobre o assunto, muito provavelment nos descobririamos. Ragon, é verdade, em seu Ortodoxia Maçônica, atribui o rito ao Barão de Tschoudy. Mas, como ele também atribui a autoria do Recueil Précieux à mesma pessoa, declaração que se sabe ele estava enganado, só pode haver muito pouca dúvida de que ele está errado quanto à primeira, bem como na última opinião. O Cavalheiro de Lussy, mais conhecido como Barão de Tschoudy, era, é verdade, um ritualista distinto. Ele fundou a Ordem da Estrela Flamejante, e teve um papel ativo nas operações do Conselho de Imperadores do Oriente e do Ocidente; mas nós não encontramos nenhuma evidência, fora a afirmação de Ragon, de que ele estabeleceu ou teve alguma coisa a ver com o Rito Adonhiramita.

Estamos dispostos a atribuir o desenvolvimento em um sistema definido, se não a efetiva criação do Rito da Maçonaria Adonhiramita a Louis Guillemain de Saint Victor, que publicou em Paris, no ano de 1781, um trabalho intitulado Recueil Precieux de la Maçonnerie Adonhiramite, etc.

Como este volume continha apenas o ritual dos primeiros quatro graus, ele foi seguido, em 1785 por outro, que abrangia os graus mais elevados do Rito. Ninguém que leia atentamente estes volumes pode deixar de perceber que o autor escreve como alguém que inventou, ou, pelo menos, substancialmente modificou o rito que é objeto do seu trabalho. Em todos os casos, este trabalho envolve o único relato autêntico que possuímos da organização do sistema Adonhiramita de Maçonaria.

O Rito da Maçonaria Adonhiramita consistia de doze graus, que eram os seguintes, os nomes sendo dados em inglês, francês e português:

Apprentice – Apprenti – Aprendiz.

Fellow-Craft – Compagnon – Companheiro.

Master Mason – Maître – Mestre Maçom.

Perfect Master – Maître parfait – Mestre perfeito.

Elect of Nine – Premier Elu, ou L’Elu des Neuf– Eleito dos Nove.

Elect of Perignan – Second Elu nommé Elu de Pérignan – Eleito de Perignan

Elect of Fifteen – Troisième Elu nommé Elu des Quinze – Eleito dos Quinze

Minor Architect – Petit Architecte – Arquiteto Menor

Grand Architect, or Scottish Fellow Craft – Grand Architecte, ou Compagnon Ecossais – Grande Arquiteto ou Companheiro Escocês.

Scottish Master – Maître Ecossais– Mestre Escocês.

Knight of the Sword, Knight of the East, or of the Eagle – Chevalier de l’Epée surnommé Chevalier de l’Orient ou de l’Aigle – Cavaleiro da Espada, Cavaleiro do Leste ou da Águia.

Knight of Rose Croix – Chevalier de la Rose Croix –Cavaleiro da Rosa Cruz.

Esta é a lista completa dos Graus Adonhiramitas.

Thory e Ragon ambos erraram ao atribuir um Grau Treze, chamado, o Noaquita, ou Cavaleiro Prussiano. Eles caíram neste erro porque Guillemain tinha inserido este grau no final do seu segundo volume, mas simplesmente como uma curiosidade maçônica, tendo sido traduzido, como ele diz, do alemão por M. de Bérage. Ele não tem nenhuma conexão com a série anterior de graus, e Guillemain declara positivamente na segunda parte (2ª Ptie, página L18) que a Rose Croix é o nec plus ultra, o latim para mais nada, a cúpula e terminação de seu Rito.

Desses doze graus, os dez primeiros são ocupados com as transações do primeiro Templo; o décimo primeiro com questões relacionadas à construção do segundo Templo; e o décimo segundo àquele simbolismo cristão da Maçonaria que é peculiar ao Rose Croix de todo Rito. Todos os graus foram tomados emprestados do Rito Escocês Antigo e Aceito, com ligeiras modificações, que raramente melhoraram seu caráter. No conjunto, a extinção do Rito Adonhiramita dificilmente pode ser considerada como uma perda para a Maçonaria.

Antes de concluir, algumas palavras podem ser ditas sobre a ortografia do título. Como o rito deriva sua característica peculiar do fato de que ele baseia o Terceiro Grau na lenda assumida de que Adoniram, o filho de Abda e coletor de tributos era o verdadeiro arquiteto do Templo, e não Hiram, o filho da viúva, ele deveria ter sido adequadamente denominado Rito Adoniramita e não Adonhiramita. Por isso, provavelmente ele teria sido chamado se Guillemain, que lhe deu forma, tinha familiaridade com a língua hebraica, pois ele, então, teria conhecimento de que o nome de seu herói era Adoniram e não Adonhiram.

O termo Maçom Adonhiramita realmente deve ter sido aplicado à segunda escola descrita neste artigo, cujos discípulos admitiam que Hiram Abif foi o arquiteto do Templo, mas que supunham ter Salomão concedido o prefixo Adon a ele como um sinal de honra, chamando-o Adonhiram. Mas, Guillemain tendo cometido o erro no nome de seu Rito, ele continuou a ser repetido por seus sucessores, e seria talvez agora ser inconveniente corrigir o erro.
Ragon, no entanto, e alguns outros escritores recentes, se aventuraram a dar esse passo, e em suas obras o sistema é chamado Maçonaria Adoniramita.
 – Fonte: Enciclopédia da Maçonaria de Mackey

Publicado no: https://bibliot3ca.wordpress.com/maconaria-adonhiramita/

Tradução José Filardo.

Os criadores de ritual da França, que não eram todos estudiosos de hebráico, nem bem versados na história bíblica, parecem às vezes ter confundido dois personagens importantes, e ter perdido toda a distinção entre Hiram o construtor, que tinha sido enviado da corte do rei de Tiro, e Adoniram, que sempre tinha sido um oficial da corte do rei Salomão. Este erro foi ampliado e facilitado quando eles prefixaram o título Aden, isto é, senhor ou mestre, ao nome do primeiro, tornando-o Aden Hiram, ou o Senhor Hiram.