Maçonaria – Sociedade de Iguais


A Maçonaria é uma Confraria cuja origem repousa na ideia de que existe uma ordem social perfeita, a qual pode ser realizada pela união dos homens de boa vontade numa sólida Irmandade.

Essa união promove o aprimoramento dos espíritos nela congregados, gerando como resultado uma egrégora que resulta da sinergia promovida pela reunião dos Irmãos e é sustentada pelas qualidades pessoais que cada um deles traz para o grupo. Isso contribui para o crescimento coletivo e o enriquecimento ontológico de cada um dos indivíduos que dele participa.

Essa ideia já era consagrada nos antigos tempos pelos primeiros maçons da terra, que foram os hebreus. Por isso é que o Salmo 133 consagra a essência da união fraterna entre os Irmãos e foi muito apropriadamente escolhido para abrir a reunião da Loja simbólica dos Aprendizes:

“Oh! quão bom e quão suave, é viverem os irmãos em união. É como um azeite precioso derramado sobre a barba, a barba de Aarão, que desce sobre a orla do seu vestido. É como o orvalho do Hermon, que desce sobre o Monte Sião. Porque o Senhor derrama ali a sua benção e a vida para sempre. (…)”

Como prática cultural, a maçonaria é contemporânea das primeiras civilizações. Desde os tempos mais antigos, os povos que alcançaram os mais altos estágios civilizatórios, mantém a tradição de preservar sua cultura, seus conhecimentos e seus sistemas de vida através de “grupos” específicos de indivíduos que comungam de interesses mútuos. Esses grupos procuram reunir, na forma mais nivelada possível, os “iguais” dentro de uma sociedade, fundamentados na crença de que aqueles que estão mais envolvidos com determinado sistema é que tem o maior interesse em preservar os seus valores.

É neste amplo espectro, que funde religião, política, mitologia e história, que nós iremos encontrar as antigas manifestações culturais conhecidas como “Mistérios”, que vários autores maçons costumam invocar como sendo as estruturas mais antigas da maçonaria. Aqui caminhamos nas sombras e só podemos fazer conjecturas, baseadas em analogias entre os ritos praticados por aqueles povos e os símbolos comuns compartilhados por eles e pela maçonaria moderna, mas é certo que existe uma ligação e uma relação de antecedente e consequente entre essas manifestações culturais dos antigos povos e a Arte Real hoje praticada.

Com o tempo, a prática de reunir os “iguais” dentro de uma sociedade resultou na formação de grupos diversos, com os mais variados propósitos. Assim, a ideia, que em princípio tinha uma conotação religiosa e servia ao próprio sistema de governo praticado nesses antigos tempos, fragmentou-se e passou a ser usada por grupos particulares na defesa de seus próprios interesses corporativos.

Nasceram assim as associações de classe, as corporações obreiras, os partidos políticos, os clubes fechados, mas agora já despregados da conformação original, que hospedava um misto de religiosidade e política de estado. Conquanto o caráter iniciático desses grupos ainda permanecesse, o objetivo passava a ser então a defesa das próprias conquistas do grupo, a sua preservação e desenvolvimento, a partir de uma ótica muito particular. Situam-se nesse espectro as antigas Corporações de Obreiros, tipo “Collegia Fabrorum” dos romanos, as Corporações de Ofício da Idade Média (guildas), as seitas gnósticas dos primeiros séculos do Cristianismo e as chamadas Lojas operativas dos pedreiros medievais, famosos construtores de igrejas e edifícios públicos, dos quais o termo maçom foi emprestado.

Esse vínculo passa também pelas Ordens de Cavalaria medievais, que deram característica de corporação às suas organizações. E integra também as Irmandades formadas no seio da Igreja Católica, cujo caráter sectário e evidentes inclinações iniciáticas não as fazem menos “maçônicas” do que as Lojas dos Obreiros da Arte Real.

Malgrado todas as influências acima citadas é certo que as Lojas maçônicas modernas têm como seu arquétipo principal as antigas corporações dos pedreiros livres, que na época medieval construíam as grandes catedrais que ainda hoje se encontram no Velho Mundo. Foi desses Irmãos, cuja técnica aliada à religiosidade produziu as magníficas obras da arte arquitetônica que nos encantam os olhos, que a Arte Real emprestou a inspiração para se transformar na formidável instituição que se hoje se tornou.

A origem da Maçonaria foi sempre um assunto muito obscuro e mesmo hoje, apesar da farta literatura já publicada a respeito do assunto, ainda suscita muitas dúvidas ao historiador.

Como instituição, com personalidade jurídica e identidade própria, ela só passou a existir no início do século XVIII, a partir da Constituição que lhe foi dada pelos maçons ingleses, liderados pelo pastor anglicano James Anderson. Mas antes disso, como já vimos, os maçons já se reuniam nos canteiros de suas obras para praticar alguma coisa parecida com a moderna Arte Real. A essas reuniões, por algum motivo ainda não suficientemente esclarecido, eles chamavam de Lojas.[1]

O que fazia essa maçonaria anterior às Constituições de Anderson, como eram os maçons operativos que construíram as grandes catedrais medievais, e depois os primeiros irmãos especulativos (alquimistas, filósofos, artistas e artesãos em sua maioria) que os sucederam nessas práticas, é algo difícil de definir como fato histórico. O que temos depois deles é uma politização das tradições maçônicas numa época em que as disputas dinásticas e os conflitos religiosos invadiram as Lojas e nelas refletiram o conturbado ambiente que se vivia então. E desse período, após a institucionalização da maçonaria como uma sociedade de cunho universal, com personalidade jurídica própria e cultura filosófica e administrativa de certo modo unificada, a ideia que dela temos, como bem observou Jean Palou, é a de que a maçonaria especulativa pode ser contada como um episódio da Reforma religiosa, ou mais propriamente um rebento do pensamento liberal e reformista que surgiu quando o espírito humano foi libertado dos nós com que um clero ignorante e supersticioso o havia amarrado por mais de um milênio.

É nesse contexto que ela se insere hoje, pois em todos os casos, quando se trata de maçonaria, o que encontramos é sempre uma ação que tem em mira a superação de momentos particularmente difíceis que a sociedade está vivendo. Essa dificuldade pode ser de ordem política, como a que vivia a Europa nos dias de Anderson, com suas intermináveis guerras religiosas, a França revolucionária de 1789, os Estados Unidos na época da sua independência, o Brasil nos anos que antecederam a proclamação da Independência e depois a República, ou então uma fase obscura e complicada da vida cultural de uma comunidade, em que o obscurantismo e a intolerância imperam.

[1] O termo Loja, hoje corresponde a uma assembleia de maçons. Nos tempos medievais era aplicado à reunião dos profissionais da construção civil, que trabalhavam em uma determinada obra, para discutir os problemas técnicos com ela relacionados. Com o tempo evoluiu para uma forma associativa mais elaborada, assumindo o formato de corporação, abarcando não só os aspectos relacionados com a obra em si, mas também regulando a prática profissional e criando uma cultura própria para os profissionais do ramo.

João Anatalino

Fonte: https://bibliot3ca.com/