Nietzsche sobre a vingança cristã - uma breve observação
19/02/2017 21:28
Nas últimas semanas, relendo o livro de Apocalipse, me foi impossível não levar em conta algumas observações de Nietzsche sobre o cristianismo. Uma passagem que me chamou a atenção foi a seguinte:
"E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?" (Apocalipse 6:9,10)
O que me chamou a atenção foi este pedido de "vingança". Vejam bem, não se trata apenas de "justiça", mas a vingança é explicitamente mencionada. Como poderiam estas almas, já no céu e diante do trono de Deus, ainda serem movidas por sentimentos tais como o de vingança?
Segundo Nietzsche, nada poderia ser mais "unevangelische", ou, traduzindo, "menos evangélico", do que este sentimento de vingança. Na leitura do filósofo alemão, aqui já se manifesta a clivagem entre o espírito dos ensinamentos de Jesus e a religião que se construiu em seu nome, a religião da decadência e do ressentimento.
Vejam este trecho:
"Com a sua morte, Jesus nada mais podia querer do que proporcionar publicamente a prova mais forte, a demonstrarão da sua doutrina... Mas os seus discípulos estavam longe de perdoar tal morte – o que teria sido evangélico no sentido mais elevado; ou de se oferecer até para uma morte semelhante, em suave e amável tranquilidade do coração... Foi justamente o sentimento menos evangélico, a vingança, que de novo se sobrepôs a tudo. Era impossível que a causa terminasse com esta morte: era necessária uma 'retaliação', um 'juízo' (e, no entanto, que poda haver de mais anti-evangélico do que 'retaliação', 'castigo', 'montar um processo'!). (Nietzsche, "O anticristo")
Esta passagem de Apocalipse que citamos anteriormente não é a única que fala sobre a vingança. Nietzsche parece ter contribuído com uma interessante chave hermenêutica para se compreender o novo testamento.
Glauber Ataide
Publicado originalmente no Blog do autor: