Notas sobre um escândalo: um olhar sobre a erotomania ou a paranoia erótica

O filme inglês Notas sobre um escândalo, de 2006, dirigido por Richard Eyre, conta uma história de amor unilateral e obsessivo por parte de uma professora idosa em relação a uma jovem e sexy docente.

 

Sheba, personagem interpretada por Cate Blanchet, é casada, com dois filhos, e começa a lecionar a disciplina de artes em uma escola para jovens pobres. Barbara é uma professora amarga de História que se apaixona por Sheba e imagina que a amizade oferecida pela jovem colega é um sinal de amor erótico.

 

Sheba envolve-se sexualmente com um aluno menor de idade e acaba nas mãos de Barbara, que começa a chantageá-la . Porém, fica evidente uma ideia importante no filme: Barbara costumava interpretar como paixão, a amizade ou a cortesia oferecida por mulheres jovens e atraentes.

 

Barbara criava em sua mente todo um contexto de erotismo que só era real para ela. Os psicóticos criam uma realidade que existe apenas para eles. Esquizofrênicos costumam ouvir vozes que não existem na realidade, mas que são reais para eles. Os paranoicos deliram e podem ter mania de perseguição ou mania de grandeza, mais conhecida como megalomania, entre outros sintomas.

 

Barbara provavelmente sofre de erotomania , um tipo de paranoia, intitulada pela psiquiatria como paranoia erótica. O portador de erotomania imagina-se amado por uma pessoa sem que o outro dê sinais de afeição. Podem confundir uma simples e banal gentileza, como um bom-dia sorridente no elevador, como um sinal de amor. Muitas vezes, quem sofre de erotomania mal convive com o ser amado. Na erotomania é bastante comum a pessoa criar uma história de amor com alguém que tem um status social maior.

 

No caso de Barbara, Sheba era uma professora igual a ela. Por outro lado, era uma mulher jovem e atraente, que chamava a atenção de alunos e professores por sua beleza e meiguice.

 

Num primeiro momento, o filme Notas sobre um escândalo nos impressiona mais por mostrar uma mulher de 40 anos, cansada de se dedicar à família, principalmente ao filho com Síndrome de Down,  envolver-se com um garoto de 15 anos para voltar a experimentar emoções que, para ela, estavam soterradas pelo senso de dever. Sheba tem uma família feliz, porém falta a ela um sentido na vida. Como professora e por meio do romance com o aluno, ela busca por sua identidade.

 

Num segundo momento, voltamos os nossos olhos para a protagonista de fato do filme: Barbara, interpretada por Judi Dench. Preconceituosa, amarga e manipuladora, aparentemente é uma simples vilã. Diante de uma análise mais cuidadosa, é uma mulher altamente doente, que cria, por meio do delírio, uma realidade à parte, para suportar uma vida profundamente solitária. Por outro lado, podemos pensar que Barbara é solitária por ser uma paranoica. Psicóticos normalmente apresentam laços sociais frágeis e têm dificuldade para construir relações duradouras.

 

Um filme instigante e maduro, que mostra, sem moralismos, os dolorosos caminhos que as pessoas escolhem para se autoafirmarem e encontrarem o amor.

 

 

É doutora em Comunicação e Semiótica, psicanalista lacaniana, escritora e atriz.

Contato: silviamarques@psicanalistasilviamarques.com