O APOSTOLADO E A MAÇONARIA

O Apostolado, nome pelo qual era chamada a “Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz”, foi uma Ordem de caráter conservador e cristão, criada por José Bonifácio, em 1822. Seu objetivo era de criação de “uma comunidade luso-brasileira de países autônomos”,freando os liberais por meio de uma monarquia constitucional.A ideia era fazer contraponto ao movimento de total independência do Brasil e alinhamento com os países que estavam conquistando independência na América espanhola.

Acredita-se que José Bonifácio teria sido motivado pelo golpe de Gonçalves Ledo que, aproveitando a costumeira ausência do Grão-Mestre Bonifácio às assembleias do Grande Oriente do Brasil, teria elegido por aclamação Dom Pedro I como Grão-Mestre.3

A Ordem era dividida em três graus: recruta, escudeiro e cavaleiro.Para Frei Caneca, era um:

clube de aristocratas servis que protegem, procuram e propagam por todos os meios a escravidão do Brasil, contanto que eles nntambém tenham seus escravos, a quem pisar {...} São uma praga de gafanhotos devastadores {...} que têm chegado a penetrar o santuário do soberano Congresso e contaminar seus membros {...}; trazem espiões que pesquisam, vigiam e denunciam ao ministério todos os que julgam inimigos, não da causa do Brasil, sim do despotismo ministerial.5

Dentre as várias ações promovidas pelo Apostolado, tem-se: “enganar o povo com calúnias sobre a Maçonaria (...); contratação de populares para incitar o povo contra os maçons; abaixo-assinado para deportação e ásperos castigos para maçons; prisão e deportação de maçons (...)”.Foram explícitos à época os esforços de Bonifácio em defesa da abertura de uma Devassa contra o Grande Oriente do Brasil e seus integrantes mais proeminentes, acusados por este de conspirar contra o Império sob a liderança de Ledo. Muitos, incluindo Ledo, foram punidos e, quando no final de 1822 foi publicado um decreto de anistia, Bonifácio se opôs ferozmente contra, mas em vão.7

Ao se analisar tais ações e histórico do Apostolado, verifica-se uma posição de rival da Maçonaria, “que veio a ocasionar tantos desgostos e chegou quase até a pôr em risco a paz interna do Brasil, nos momentos solenes da proclamação da Independência”.8

Um desses presos foi Cipriano Barata, que creditou a perseguição ao Apostolado, tendo afirmado que “o Apostolado persegue os maçons” e que a Devassa foi a mando de José Bonifácio.Ele ficou preso por sete anos.

Boletins Informativos do GOB trazem sua posição contrária ao Apostolado. Conforme a publicação oficial da potência, Dom Pedro I, ao fechar o GOB, deu “acesso às sugestões e intrigas do apostolado”.10 Ainda, que o Apostolado “tratava de fazer desaparecer o Gr. Or. por qualquer modo” e que os Irmãos tinham “notícia das hostilidades e manejos ocultos do Apostolado”.11 E também que “os membros eminentes do Apostolado excitaram e amotinaram o povo contra os verdadeiros maçons, chegando a pedir a deportação e as cabeças de nossos IIr. ́., com alaridos e gritos, com apupos e pedradas!”12

O então Grão-Mestre Geral, Joaquim Saldanha Marinho, apresentou uma curiosa opinião sobre José Bonifácio e o Apostolado:

Os que olvidaram os seus juramentos em conquista de valor político e de posições vantajosas, puseram em prática quanto o seu temor lhes aconselhou: não faltaram carbonários, e até foi criado o histórico Apostolado, que foi animado e dirigido por aquele mesmo que, tendo sido elevado pela Maçonaria, lhe prometera, com juramento, fidelidade e sujeição à vontade nacional.
Prisões, deportações e toda a sorte de violências foram liberalizadas a quantos honrosamente se haviam conduzido no seio da Maçonaria e que a dirigiam.13

Mas nada disso impediu que, em 2022, duzentos anos depois, o Grande Oriente do Brasil “reorganizasse” o Apostolado, que era uma Ordem antimaçônica, conservadora, responsável pelo fechamento do GOB e pela prisão de diversos irmãos; declarando-a como sendo uma Ordem maçônica progressista, ao contrário do que os registros apresentados pelos historiadores e seus próprios boletins oficiais comprovam.14 E assim, o princípio maçônico de busca da verdade é ferido de morte, em prol de uma “pós-verdade”, em que os fatos históricos são ignorados de modo a favorecer os interesses pessoais e/ou institucionais.

Kennyo Ismail

Fonte: https://www.noesquadro.com.br/

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Notas:

VALENCIANO, T. Política versus maçonaria: qual é a relação entre elas na República Velha (1889-1930)? Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, setembro de 2015, p. 7.
DA COSTA, E. V. Brasil: história, textos e contextos. São Paulo: Unesp, 2015, p. 52.

DA SILVA, S. V. A participação da Maçonaria brasileira na defesa do ensino laico e na criação e manutenção de escolas no final do século XIX (1869-1900) no Brasil. Dissertação. Universidade Federal Fluminense. Santo Antônio de Pádua, 2018, p. 41.
BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência (Brasil, 1790-1822). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002, p. 287.
MELLO, A. J. Obras políticas e litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Recife: Typ. Mercantil, Vol. 2, 1875, p. 317.
GREGÓRIO, C. Apostolado: perjúrio e tradição na Maçonaria. Jornal Maçonaria Tupiniquim, Vol. 5, junho de 2022, p. 3.
OLIVEIRA, C. L. S. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820- 1824). São Paulo: Ícone, 1999.
DE VARNHAGEN, F. A. História da Independência do Brasil. Vol. 3, Tomo 5. São Paulo: Ed. USP, 1981, p. 123-124.
VIANNA, H. V. Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812-1869). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, p. 475-476.
10 Boletim do Grande Oriente do Brasil. Ano 3, Número 11, novembro de 1874, p. 513.
11 Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 5, Número 02, fevereiro de 1876, p. 49.
12 Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 22, Número 3-4, maio e junho de 1897, p. 159.
13 MARINHO, J. S. O passado e o futuro da Maçonaria. Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 13, Número 7, Julho de 1884, p. 180.
14 GOB. Primeira Ordem Maçônica Progressista de 1822 genuinamente de origem Brasileira é reorganizada pelas maiores Lideranças Maçônicas do GOB. Disponível em: https://www.gob.org.br/primeira-ordem-maconica-progressista-de-1822-genuinamente-de-origem- brasileira-e-reorganizada-pelas-maiores-liderancas-maconicas-do-gob/