O burro de Buridan

 

Na travessia da vida é fundamental tomar decisão ante um problema determinado, sob pena de se render ao medo da indecisão. No século XIV, na Idade Média, o padre secular e filósofo francês Jean Buridan, usando o conceito de livre arbítrio o exemplificou na lenda “O Burro de Buridan”. Nela um asno faminto e sedento de sede foi colocado diante de um monte de aveia e um balde de água. O animal olhava os dois e não sabia se matava primeiro a fome ou saciava a sede. O tempo passando, o animal escoiceando o ar, acelerava o seu batimento cardíaco. Após horas de indecisão e não sabendo o que escolher o burro morreu de fome e sede.

 

Adaptando a lenda à realidade política brasileira a semelhança é enorme. A indecisão do poder legislativo em avançar nas reformas estruturais, que são imperativas para a modernização do Estado, é um exemplo acabado. De um lado, o populismo demagógico e clientelista, e do outro, a ignorância sobre as grandes questões que impedem a adoção de políticas públicas inclusivas. A racionalidade crítica fundamentada no diálogo sobre as grandes questões nacionais deveria envolver governo e oposição. Cada um defendendo com argumentos sérios as suas posições políticas, sem descaracterizar as suas identidades e princípios. É a essência do debate democrático, ausente na atual composição do Congresso Nacional.

 

E o mais grave: estão transformando o Supremo Tribunal Federal em extensão do legislativo. Quando vencida em votações nascidas de propostas do executivo, a oposição recorre ao poder judiciário. Esse passa a ser ativo protagonista da vida política nacional. Fato inédito nas sociedades democráticas e desenvolvidas, onde a corte Suprema é a guardiã da Constituição. E não protagonista do cotidiano político e partidário.

 

Retrata um Brasil arcaico e resistente à modernização ante uma sociedade desigual e profundamente injusta para a maioria da população. A origem está na perda de identidade e protagonismo das chamadas bancadas partidárias. Ex-ministro e parlamentar, tendo sido presidente do Superior Tribunal do Trabalho, o estimado amigo Almir Pazzianotto, definiu com precisão essa realidade: “O que temos no Poder Legislativo é a presença de bancadas evangélicas, da bancada ruralista, de sindicalistas, de políticos profissionais e da maioria fisiológica na busca imoral de nomeações para ministérios, de dinheiro e de empregos.”

 

O diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, professor Yoshiaki Nakano, é incisivo no diagnóstico: “O Congresso Nacional prefere ficar numa posição de cobrar e criticar o Executivo do que assumir as responsabilidades propondo projetos e programas para o país. Está associado ao fato de não existirem no Brasil verdadeiros partidos políticos programáticos. Os partidos são oligárquicos, com donos,  um amontoado de oportunistas de interesses particulares;  não se organizam em torno de ideias e propostas políticas. Os seus líderes políticos são clientelistas e não passam de despachantes ou representantes de grupos de interesses específicos, normalmente as minorias, que são mais bem organizadas.”

 

Os dois autores deixam claro que a defesa dos interesses corporativistas, ao invés do interesse público e dos valores da cidadania, tem prevalência na estrutura parlamentar e política no Brasil. Resta indagar: até quando o futuro do Brasil estará sendo obstado pela irresponsabilidade pública dos seus representantes políticos?

 

Hélio Duque 

É doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

 

Fonte: www.alertatotal.net