O círculo, o ponto e o triângulo


 

Foram os filósofos hilozoístas que lançaram a ideia de que o universo é construído através de um processo onde a vida que nele existe se manifesta em diferentes etapas, cada uma delas numa forma, que por sua vez, se subdivide em infinitas outras, que podem ser compostas ou simples. Cada forma, por sua vez, é a expressão da vida que as anima ou nelas habita. Assim, cada espécie, segundo a forma e a evolução da vida que nela habita desenvolve um determinado grau de consciência. Daí a hierarquia existente entre as diversas formas de vida existentes no universo material [1].

O Princípio Universal, primeiro e único, segundo o qual a vida se manifesta no Universo é Deus. É a Vontade de Ser, o Logos, o Verbo Fundamental que se faz por si mesmo e se transforma em matéria universal. Daí se dizer que a filosofia hilozoísta transmite a ideia do Panteísmo universal, tendo em vista que ela admite o Ser Único, Deus, como sendo uma força, uma energia que se manifesta, não como uma entidade, segundo os cânones das religiões reveladas, mas como uma lei natural que dá vida e organização ao universo real. E esta lei é revelada através do número e das formas geométricas, segundo a escola pitagórica, que vê nesta simbologia a verdadeira linguagem de Deus.

Esta energia (Deus) multiplica-se numa infinidade de formas que se relacionam entre si, se entrelaçam e criam outras, que no conjunto, constituem o universo na sua multiplicidade infinita. No centro deste infinito mar de formas encontra-se a Consciência Cósmica que a tradição vedanta chama de Sanat Kumara, e a Cabala de Senhor do Mundo, o Ancião dos Dias. Ela é o centro de toda existência, que se manifesta através de um ponto no vazio do infinito, o qual, por força dessa energia irradiada a partir desse ponto, assume uma forma esférica, circular. E dentro desta esfera, ainda por força da própria energia irradiada, forma-se um triângulo de forças que se espalha pelo nada cósmico, gerando os mundos e organizando-os segundo as funções que cada um exerce na totalidade da vida universal [2].

Estas concepções foram desenvolvidas pela filosofia oriental, principalmente dos Vedas, e adoptadas pelas escolas teosóficas, que as transformaram num vasto sistema cosmogônico que explica, orienta e prevê o desenvolvimento da vida no universo, mostrando como ele nasceu, desenvolveu e desenvolver-se-á, bem como o comportamento da vida dentro dele, nas suas manifestações passadas, presentes e futuras.

Também na grande tradição da Cabala judaica essas mesmas ideias estão presentes, trabalhadas através de ricas metáforas de um conteúdo profundamente esotérico, e de um expressivo simbolismo que transforma em “entidades” as energias fundamentais que formatam e regem a vida do universo. Porém, o que nos interessa no presente estudo são as relações simbólicas que elas assumem na tradição maçônica, as quais são todas inspiradas no hilozoísmo, ou mais propriamente, na filosofia de Pitágoras, cuja maior expressão nos é passada através da Geometria.

Neste sentido, podemos interpretar as figuras geométricas representadas pelo ponto, o círculo e o triângulo, em relação com as proposições filosóficas que elas inspiram, as quais podem ser resumidas conforme segue.

O círculo com o ponto inscrito dentro de um triângulo representa o universo em equilíbrio. É a representação geométrica do processo segundo o qual o universo nasce, se desenvolve e se equilibra através das próprias forças que nele atuam de forma natural.

Na tradição da Cabala este desenho corresponde aos três primeiros componentes da Árvore Sefirótica, Kether (a coroa), Chokmah (a sabedoria) e Binah (a compreensão), que se unem para formar tudo que existe no universo, também conhecidos pelos nomes de Ain (Kether), Ain Soph (Chokmah) e Ain Soph Aur (Binah). Estas três representações da ação divina no mundo das realidades fenomênicas correspondem à ação da Divindade, manifestando-se como matéria e dividindo-se em dois princípios, o masculino (Chokmah, o universo representado pelo círculo) e o feminino (Binah, representado pelo triângulo).

Na doutrina cristã esta representação pictórica corresponde à chamada Santíssima Trindade, ou seja, o Pai (Kether, a coroa, representado pelo ponto), o Filho (Chokmah, a sabedoria, representado pelo círculo, e o Espírito Santo (Binah, a compreensão, representada pelo triângulo) [3].

Na tradição vedanta, esta representação é Brahma, Vixnu e Shiva, a divina trindade hindu que dá origem e sustentação ao mundo, e para os antigos egípcios representava a união da sagrada família Osíris, Ísis e Hórus. Para os taoistas, representa o Tao, Princípio Único que dá origem à toda realidade e as suas duas derivações, o masculino e o feminino que se unem para gerar o perfeito equilíbrio, representado pelo triângulo [4].

Na moderna física atômica estes símbolos equivalem às três leis básicas de constituição universal: relatividade, gravidade e aceleração.

Correspondem também às três forças básicas sobre as quais o universo se apoia: luz, eletricidade e magnetismo [5].

Para a Maçonaria, triângulos, pontos e círculos são símbolos extremamente representativos, que tem largo emprego na metalinguagem utilizada para a veiculação dos seus ensinamentos. O mundo maçônico é um mundo geométrico por excelência. Desta maneira, o círculo pode ser interpretado como sendo o mundo no seu início, da mesma forma que o ponto é o seu conteúdo potencial e o triângulo é o universo organizado, a ordem posta no caos inicial. Por isso, na comunicação maçônica encontraremos uma larga utilização desses símbolos geométricos, cada um deles com um significado esotérico de um lado, e filosófico de outro.

Assim, além da conotação puramente espiritualista que se quer dar às mensagens maçônicas, o simbolismo contido na comunicação feita em forma de pontos, dispostos em forma de triângulos, veicula também um profundo conteúdo filosófico, extraído dos princípios que norteiam a prática da Maçonaria. Nestas mensagens se pressupõe que na ideia ali exposta estão presentes os elementos de estabilidade social defendidos pelos maçons: liberdade, igualdade e fraternidade, que, no entender da Maçonaria, constituem os três elementos básicos de uma sociedade justa e fraterna.

João Anatalino Rodrigues

Do livro “Lendas da Arte Real”

Fonte: https://joaoanatalino.recantodasletras.com.br/

Notas

[1] Hilozoísmo (hylé(matéria)+zoé (vida) é a doutrina filosófica segundo a qual toda a matéria do universo é viva, sendo o próprio cosmo um organismo material integrado, possuindo características como animação, sensibilidade ou consciência. Os seus principais representantes foram os gregos Tales de Mileto e Pitágoras.

[2] Veja-se, neste sentido, as obras de Helena P. Blavastsky.

[3] Ou seja, Yin e Yang, as energias masculina e feminina, representações do Céu e da Terra, respectivamente.

[4] Note-se que na tradição cristã, o princípio feminino (Binah), é substituído pelo Espírito Santo, denotando a nítida conotação patriarcal que a doutrina cristã (católica) sempre apresentou.

[5] Segundo a teoria de James Clark Maxwel, as leis da relatividade, da gravidade e do magnetismo, actuando sobre a matéria universal, formam campos energéticos que transmitem acções de um lugar para outro. Estes campos se comportam como “entidades” dinâmicas que podem oscilar e mover-se no espaço (ondas e partículas, que constituem as formas atómicas da matéria). Na Cabala, estas “entidades” correspondem aos “anjos” que supervisionam a formação do universo. Esta analogia é nossa, mas é uma intuição que nos parece muito clara quando comparamos as descrições que os cabalistas fazem dos chamados “anjos construtores do universo”, com as propriedades dos átomos que constituem a matéria universal.