O "Cowan" e a Maçonaria Regular

No Ritual Emulação em Inglês, ou seja, o original, editado e publicado pela Emulation Lodge of Improvement (Loja de Emulação para Aperfeiçoamento), encontramos num determinado ponto o termo "Cowan", como sendo uma das pessoas, além de profanos e estranhos, que determinado cargo tem a função de impedir a entrada na Loja, armado com uma espada desembanhada. Este termo chamou muita atenção, pois não achei uma tradução para o português, e depois descobri que realmente não existe um termo correspondente em nossa Língua. Mas então, o que seria "Cowan", e o que tem a ver com maçonaria regular? Vamos entender.

Mais uma vez, para se entender o Ritual Emulação, à luz da Maçonaria Especulativa, temos que voltar à Maçonaria Operativa, pois foi ali que surgiu o termo "Cowan", e por isso ele consta hoje do ritual, mas num sentido de regularidade, como será demonstrado.

O Dicionário Internacional Oxford da Linguagem Inglesa traz a seguinte definição da palavra "Cowan":
"Cowan". 1. Aquele que faz o trabalho de um Maçom (pedreiro), mas não teve o aprendizado para a profissão; 2. Assim, um não-iniciado nos segredos da Franco-maçonaria; 3. Gíria: bisbilhoteiro, abelhudo, intrometido, pessoa que escuta às escondidas a conversa particular de outros.

"Cowan" é essencialmente um termo profissional Escocês, e ele vem da época em que as "Lojas", como organizações do comércio, ou do Ofício Maçônico Operativo, impediam a contratação destes "Cowans", com o objetivo de preservar o mercado para os profissionais que realmente tinham sido treinados (iniciados) para o Ofício, ou seja, uma mão-de-obra especializada na época. Os Maçons eram uma elite de mão-de-obra na construção de edifícios, pois, ninguém, além deles, detinham a habilidade de trabalhar com as pedras, na construção de templos, igrejas, etc...

A mais antiga determinação oficial para a não contratação de "Cowans" é encontrada nos "Schaw Statutes", de 1598:
"...que nenhum mestre ou companheiro de ofício receba/empregue qualquer 'cowan' para trabalhar em sua Loja (sociedade ou companhia) e nem enviem seus servos para trabalhar com 'cowans', sob a penalidade de vinte 'pounds', aplicada a qualquer pessoa que ofenda o que aqui está escrito."

Então, os "Cowans" competiam com os maçons, especialmente treinados para o Ofício, mas eles não sabiam os verdadeiros segredos de se trabalhar com a pedra e argila, um dos principais segredos era o cimento, ou seja, a utilização de cal para dar a liga correta na argamassa, e assim ligar as pedras para as edificações.

O desbastador de pedras e o construtor eram ambos maçons por excelência, entretanto o desbastador foi especialmente o franco-maçom, o Estatuto Inglês de 1459 mostra que os maçons mais braçais, ou construtores de muros, ou simplesmente construtores, por trabalharem com pedras e sem cal - ou a argamassa (como os "Cowans" Escoceses) - eram a mais baixa classe de Trabalhadores do Ofício de acordo como os salários eram fixados.

Os Maçons Operativos, em seu auge, eram muito respeitados e detinham "passe-livre" por toda a Europa Medieval, coisa rara à época. Daí se explica porque muitos homens comuns, às vezes, faziam passar-se por maçons, gozando assim destes privilégios. Os Maçons, desde esta época, já se utilizavam de toques e palavras para diferenciarem-se dos demais trabalhadores. Quando um Maçom chegava em determinada obra ele cumprimentava diretamente o mestre, e de acordo com o toque, o mestre já sabia se tratava-se de um Maçom, em primeiro lugar, e depois se este era aprendiz ou companheiro, então poderia destinar o ofício e fixar o salário.

Os "Cowans" eram então bisbilhoteiros, que tentavam se passar por maçons, em determinadas situações. Alguns deles tentavam a todo custo descobrir um toque ou palavra, o que nem sempre era fácil.

Os mais habilidosos e privilegiados do Ofício, como uma associação, foram convencionalmente divididos nos seguintes membros:
1. Honorário, ou não-comercial, o que após tornou-se a característica dominante levando à Maçonaria especulativa;
2. Homens Livres do Ofício, todos associados e com todos os privilégios;
3. Serventes ou Operários habilitados, colaboradores permanentes mantidos por alguns homens livres como trabalhadores;
4. Artífices, livres do Ofício, operários devidamente qualificados e disponíveis para o emprego no dia-a-dia, mas viajando de um mestre para outro, e não nos próprios negócios;
5. Aprendizes
6. "Cowans" ou "Cowaners", ou seja, homens livres ou artífices, restritos a uma classe de trabalho (últimos na hierarquia).
Portanto, o "Cowan" era um intruso, um bisbilhoteiro, que procurava aprender, além dos toques e palavras, o verdadeiro segredo dos maçons, para assim pode ganhar mais, mas ele não poderia aprender o Ofício, e se conseguiu aprender alguma coisa, foi escutando embaixo das Telhas das Lojas (Alojamentos, Guildas, Associações), e isto era muito mal visto pelos verdadeiros maçons, pois já na Maçonaria operativa tem-se registros que os maçons eram iniciados no ofício, portanto, não era qualquer um que seria um maçom.

Desta breve abordagem da Maçonaria Operativa, pode-se observar que o termo "Cowan" significa algo muito diferente, dos anos da Maçonaria Operativa e o que já está em uso na Maçonaria Especulativa. Parece bastante evidente que a palavra "Cowan" é de origem escocesa, e é da Maçonaria Operativa. O "Cowan" até que poderia tornar-se um membro do Ofício dos Maçons. Mas eles foram diferentes em muitos aspectos:
1. Cowans não poderiam utilizar cal na sua argamassa. Ou seja, era de uso exclusivo do Maçons;
2. Cowans trabalharam apenas com pedras brutas.
3. Cowans eram livres para trabalhar apenas na zona em que a sua associação tinha jurisdição. Se eles passassem, eles estariam fora do trabalho, até que fossem admitidos para outra Loja (Alojamento, Guildas).

Não à toa surge entre os maçons a expressão "goteira", entre tantos outros meios próprios de se reconhecerem ou dialogarem, pois, já na Maçonaria Especulativa, temos a transposição do termo "Cowan" como um intruso, bisbilhoteiro, e que deveria ser punido, e os segredos preservados. A mais antiga menção, na Maçonaria Especulativa, de "Cowans" aparece em Mansory Dissected, de Prichard, de 1730:
P. Onde se posiciona o novo Aprendiz Admitido?
R. No norte.
P. Qual a tarefa dele?
R. Manter longe todos os Cowans e Bibilhoteiros.

Hodiernamente, o termo "Cowan" na Maçonaria Especulativa, é utilizado para designar um praticante da Maçonaria, mas que não foi devidamente iniciado, ou seja, não recebeu a Luz na Maçonaria, não detém os segredos da Ordem. Assim são considerados também os membros de Potências Espúrias, pela UGLE.
Portanto, Maçom não regular, ou aqueles que tentam se passar por Maçons, do ponto de vista da Maçonaria inglesa, são os atuais "Cowans" e como tais devem ser mantidos afastados de todas as Lojas Regulares e reconhecidas.

Fábio Mendes Paulino