O debate sobre o utilitarismo - críticas à sua versão clássica e algumas respostas

 

A versão clássica do utilitarismo pode ser resumida em três proposições: 
1) as ações devem ser julgadas certas ou erradas unicamente em virtude de suas conseqüências; 
2) ao avaliar as conseqüências, a única coisa que importa é quantidade de felicidade ou infelicidade gerada; e 3) a felicidade de cada pessoa conta como igual. 

Esta versão clássica do utilitarismo, no entanto, apresenta sérios problemas. O primeiro é em relação à felicidade como a única coisa que importa – e aqui o utilitarismo guarda relação com o Hedonismo. Dizer que algo é bom é diferente de dizer que é algo é correto. A amizade, por exemplo, é avaliada em si mesma, e nos traz felicidade porque é boa, e não é boa porque nos traz felicidade. 

A segunda objeção, direcionada à concepção de que as conseqüências são tudo o que importa, engloba três pontos: a justiça, os direitos e as considerações por razões do passado. A justiça porque a versão clássica do utilitarismo leva a situações em que cometer uma injustiça seria moralmente justificável, como condenar uma pessoa inocente para trazer felicidade para um número maior de pessoas; quanto aos direitos, porque mostra que a violação a alguns direitos básicos individuais também seria moralmente justificável se esse ato trouxesse felicidade a um número maior de indivíduos; e a consideração por razões do passado pelo fato de que o utilitarismo sempre olha para o futuro, e dessa maneira promessas que fizemos no passado poderiam ser quebradas porque achamos que o desdobramento dessa quebra trará melhores resultados no porvir. 

A terceira objeção, de que todos devem ser tratados igualmente, mostra que o utilitarismo simplesmente nos pediria para abandonar a amizade e outras formas de relacionamentos especiais que possuímos hoje, pois é fato que o tratamento e os esforços que dispensamos a nossos amigos e familiares não são os mesmos para quem nos é desconhecido. Assim, tratar todos igualmente estaria em desacordo com o senso comum de que não devemos tratar todos igualmente, pois o mundo não funciona assim. 

Mas novas versões do utilitarismo tentam responder a essas objeções. A primeira linha de defesa afirma que exemplos exagerados que quase não acontecem no mundo real são de pouca relevância para refutar o utilitarismo. A estratégia dessa refutação é basicamente contra-atacar os exemplos utilizados para refutar o utilitarismo. 

A segunda linha de defesa afirma que o princípio da utilidade é um guia para escolher regras, não atos individuais. Essa nova forma de utilitarismo é chamada de utilitarismo de regras, em contraste com o utilitarismo de atos. Dessa maneira, cada ato deve ser pensando a partir de um conjunto de regras, e não de conseqüências para aquele indivíduo no momento do ato. 

A terceira linha de defesa, finalmente, diz que o “senso comum” não é uma fonte segura de avaliação de nossos critérios morais, e talvez seja o argumento mais forte em defesa do utilitarismo. Várias críticas ao utilitarismo são feitas do ponto de vista desse senso comum, afirmando que algumas ações que seriam moralmente justificáveis pelo utilitarismo estariam em desacordo com nosso senso comum. Ora, mas o senso comum é determinado culturalmente, e disso se segue que em determinadas sociedades e épocas era parte do senso comum uma pessoa branca se considerasse superior a uma pessoa negra. Dessa forma, mesmo hoje pode ser que consideremos como “senso comum” alguns absurdos análogos a este, os quais ainda não podemos perceber justamente por determinações culturais que só no futuro se tornarão claras. 

Glauber Ataide
Mestrando em Filosofia pela UFMG, bacharel em Filosofia também pela UFMG e pós-graduando em Teoria Psicanalítica. Bacharel também em Sistemas de Informação. Acho que o papel da filosofia não é apenas interpretar o mundo, mas também transformá-lo. Me interesso por psicanálise, música erudita, literatura clássica, idiomas (inglês, alemão, francês) e outras coisas que você pode encontrar neste blog. Sou também faixa preta em Taekwondo e moro em Nuremberg, Alemanha.

Fonte: https://www.filosofiaepsicanalise.org/