O encantador de palavras

A vida passa rápido demais, às vezes como um voo rasante. E a morte, quanto tempo leva? O poeta Manoel de Barros se foi em novembro de 2014. Se vivo, completaria 100 anos em 2016. Quantos se lembram, além dos mais próximos?

A deslumbrante poesia de Manoel, que amava as coisas simples, nos remetia – quase sempre – à transcendência. Ele falava da fugacidade da vida, como quem sabia que viemos e voltaremos como um cisco.

Na sua escrita direta, sem entrelinhas, botava mais que pingos nos is. Sem seguir modismos, fazia do poema um canto eterno. Era verdadeiramente “o encantador de palavras”; título de um dos seus mais de 30 livros publicados.

Ele sabia sabiamente que o lugar da poesia é qualquer tempo e espaço. Manoel se encantava com um inseto, e dele fazia sua matéria poética. No mundo em que vivemos, quanto valem as coisas simples?

Para o poeta de palavras encantatórias e atemorizantes, a menor parte de uma formiga era mais importante que uma usina nuclear.

Criticava criativamente os que endeusam a tecnologia, e não enxergam um palmo adiante.

Se foi Manoel como a vida queria, encharcado de poesia por todos os poros. Translúcido, feito vagalume, vagueia e alumia outros lugares. Com seu jeito faceiro de dizer, na lata, o que pensava, deve continuar assombrando os que fazem da vida um acúmulo de coisas imprestáveis para o deleite da alma.

Certamente, onde estiver, se nega a descansar em paz. A paz mórbida que não remove, e só espera a esperança. Manoel de Barros, feito carne e osso, se dissolveu no tempo. Seus poemas, porém, continuam ecoando feito cantar passarinheiro.

Quem saberá onde ele está agora? Como sua poesia, em qualquer lugar que a vida respira depois da morte.

Dinovaldo Gilioli

Escritor

Florianópolis-SC.

Fonte: Diário Catarinense

No mundo em que vivemos, quanto valem as coisas simples?