O país que envelheceu ao contrário

Chegar aos setenta anos é, dizem, alcançar a idade da lucidez. É o tempo em que a pressa cede lugar à clareza, e o olhar já não se encanta com vitrines, mas com gestos. No entanto, ao olhar em volta, percebo um país que seguiu o caminho inverso: modernizou-se no consumo, mas empobreceu no espírito. É como se tivéssemos trocado o ouro da alma pela bugiganga do instante.

Vejo as cidades reluzirem de luzes artificiais e as consciências se apagarem na penumbra. Tudo é “smart”: o telefone, o carro, a televisão — menos o discernimento. Somos uma sociedade de dedos velozes e mentes apressadas, incapazes de sustentar o silêncio necessário à reflexão. O país que um dia sonhou com a educação como libertação, hoje parece seduzido pelo espetáculo da ignorância travestida de autenticidade.

Na política, o cenário não é melhor. A liderança — palavra outrora nobre — foi sequestrada por personagens que confundem poder com glória, e vaidade com virtude. O país, carente de exemplos, contenta-se com performances. Cada discurso é uma peça publicitária; cada gesto, uma estratégia de autopromoção. Governar deixou de ser servir: virou o exercício narcísico de quem se mira no espelho do próprio ego e se vê como messias.

O hedonismo, que antes era o vício dos ricos entediados, democratizou-se. Todos querem o prazer imediato, a glória de curtidas, o aplauso fácil. Ninguém quer o trabalho paciente, o aprendizado lento, a conquista que amadurece. O prazer, como o consumo, tornou-se uma ideologia: e o país inteiro vive anestesiado por ela.

Tenho setenta anos e um coração cansado de ver o Brasil desperdiçar sua vocação de grandeza. Faltam livros nas casas, mas sobram telas acesas. Faltam mestres nas escolas, mas abundam gurus nas redes. Faltam homens de caráter; sobram personagens de ocasião. E o que me dói mais não é o que perdemos — é o que desaprendemos a desejar.

Viver harmonicamente com o próximo, respeitar a cidadania, cultivar o bem comum — eis valores que pareciam básicos, quase instintivos. Hoje soam ingênuos, como se a decência fosse uma relíquia. Mas é exatamente nela, na decência silenciosa, que repousa o que ainda nos resta de esperança.

Setenta anos depois, aprendi que o progresso que não leva junto o espírito é apenas disfarce. É pirotecnia em noite sem estrelas. E, se o país quiser reencontrar sua alma, terá de recomeçar não pelas máquinas, mas pelos homens.

Píton Praxedes
Crônica publicada na "Folha do Progresso", edição de 7 de outubro de 2025