O palavrão e o campo do real

 

Já dizia Millôr Fernandes, que nada substitui um palavrão em algumas situações.

 

Sim, o palavrão tem uma força significante que faz o significado se ampliar.

 

Não defendo o palavrão usado em contextos de briga, para ofender, ameaçar ou constranger. O palavrão nunca deve ser aplicado para desqualificar o trabalho ou a conduta de uma pessoa ou para tentar obrigar alguém a fazer o que não quer.

 

Por outro lado, quando o palavrão surge num contexto mais lúdico, ele pode se reverter em um meio de tocar o campo do real, um meio de nos fazer sentir, vibrar e saborear as palavras como se elas fossem brigadeiro quente, raspado da panela com colher de pau, e não apenas meras convenções.

 

Semioticamente falando, palavras são símbolos pois não apresentam uma relação de semelhança com os objetos que representam como os ícones, nem possuem uma relação de proximidade com os objetos que representam como os índices. Símbolos são convenções pois a relação entre eles e os objetos que representam é arbitrária.

 

O palavrão de forma semelhante às onomatopeias promove algo no corpo. Falados em contextos amistosos, o palavrão provoca o riso, promove a cumplicidade, sensualiza , ameniza o drama, expõe o ridículo da vida tornando-a mais leve.

Em uma situação analítica, por exemplo. Alguém lamenta aos prantos o fim de um relacionamento. O psicanalista se refere ao parceiro que deixou o analisando com um nome chulo e cômico. O analisando ri mesmo se sentindo infeliz, com lágrimas nos olhos.

 

De alguma forma , o drama foi relativizado, o lado ridículo de sofrer por alguém que não nos quer e que não soube conduzir a situação vem à tona.

 

Quando fazemos um elogio mais formal, como por exemplo, “Seu trabalho ficou maravilhoso” ou “Fulana é uma profissional exemplar”, atingimos o objetivo de expressar uma boa opinião, mas por outro lado, o palavrão tem muito mais força pois ultrapassa qualquer protocolo para expressar o quanto realmente gostamos de algo ou de alguém.