O Palhaço

 
Na festa infantil daquela primeira tarde de Primavera, as cores reinavam soltas nos tecidos e nos objetos de decoração. Doces e salgados conviviam harmonicamente com miniaturas de cachorros-quentes, em meio às inúmeras brincadeiras da criançada. A fartura era grande e os pequenos se divertiam entre si, alheios à tamanha ostentação. Tudo naquele lugar combinava perfeitamente com a cor vermelha do nariz do palhaço, personagem que levou meu pensamento para longe e que será observado com delicadeza nas próximas palavras.

Este ator meio comediante, que diverte o público por vocação, ofício e paixão, é tão parte de nosso cotidiano que fica difícil puxar na memória uma data com precisão. Para alguns, talvez o primeiro registro seja do inesquecível Carlitos interpretado pelo saudoso Charles Chaplin. Para outros, o deboche encantador de Carequinha ou do Bozo que saltava na tela da televisão de tubo. Seja quem for, todos esses artistas deixaram sua marca.

A casa dele é o circo. Ali debaixo da tenda que é seu templo, segue uma rotina de ensaios das peripécias saltitantes e tombos deliciosamente coreografados. O amor pelas brincadeiras nasce do exercício. Desde cedo, ele aprende que mais do que despertar gargalhadas na plateia, ele tem que saber rir de si mesmo. Uma lição que poderíamos levar para nossas próprias histórias.

O palhaço é um ser incompreendido quando é comparado a quem foi enganado. Uma palhaçada que alguém comete, por sua vez, causa profunda indignação. São significados que nós criamos injustamente para uma palavra que nasceu colorida no vermelho da ponta do nariz.
Nós e nossa mania de distorcer o sentido das coisas: uma atitude que deve ser uma torta na cara de qualquer comediante.


Desde cedo, ele aprende que mais do que despertar gargalhadas na plateia, ele tem que saber rir de si mesmo. Uma lição que poderíamos levar para nossas próprias histórias.

Há uma tristeza que o palhaço esconde por detrás da maquiagem carregada, minutos antes de entrar no centro do picadeiro. Coisa que chega e passa e que torna ele humano. Mas é o aplauso final de uma plateia entregue ao encantamento que faz o dia dele. E feito mágica, a solidão do palhaço vai para qualquer lugar bem longe e o ofício, então, vale a pena.
Depois que cantaram o parabéns, a festa se esvaziou. Cada um foi para o seu canto, cumprir o seu destino. O aniversariante continua brincando, elétrico pelo dia agitado. Pulava e fazia graça aos familiares que se espantavam com a sua energia.

Alguém perguntou:
- Você não cansa de ficar aí fazendo palhaçada?
- Oba, eu sou um palhaço!

E assim o menino continuou até cair de sono, feliz pelo seu dia e por ter sido comparado a um ser que definia um pouco da sua alegria. Nesse momento, lembrei de uma frase de Augusto Vicente nos convidando a visitar os bastidores de nossa alma fantasiados de palhaços: sorrindo de nossas próprias falhas e tripudiando das inseguranças com uma cambalhota qualquer. Coisa que uma criança sabe bem melhor do que nós.
* Thaís de Ferrand
é roteirista, escritora, cronista ou tudo junto e misturado. Escreve todas às sextas-feiras para o jornal Notícias do Dia e é colaboradora do jornal Psicologia em Foco. Além disso, atua como criadora de conteúdo para os mais diversos veículos de comunicação.
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