O que é ética? Um resumo através da história da filosofia

 

 

A razão teórica e a razão prática correspondem aos dois fins básicos da inteligência humana, que são o conhecer e o agir, A ética se classifica neste segundo aspecto, pelo qual se guia a práxis humana.

O  termo ética tem suas raízes no substantivo ethos, que tem como um de seus significados – o que mais importa para nós neste texto – o de expressar o rol de costumes que regem a vida do grupo social, diferenciando-se do ethos animal , o qual é delimitado pela physis (natureza).

A Ética, enquanto investigação específica do comportamento humano, foi inaugurada por Sócrates por volta do século V a.C., como resposta necessária a uma intensa crise nas estruturas éticas da comunidade ateniense. Até então os gregos, apesar de seus avanços no estudo da physis (natureza), ainda não tinham a mesma evolução no campo do comportamento humano em grupo.

A principal e mais conhecida característica da ética platônica é sua concepção de que os injustos são enfermos, e que só se pratica o mal por ignorância, não estando o agir determinado pela vontade, mas pelo intelecto. O mal não é voluntário, mas um obscurecimento da realidade (do Bem). Assim, a lei juridical para Platão teria um caráter terapêutico, sendo um remédio para os injustos.

Já na idade media, dentro do cristianismo, o centro do ato moral é a vontade, e não mais o intelecto, como no pensamento grego. Tal concepção tem sua expressão mais bem elaborada no pensamento de Tomás de Aquino, para quem a ética se calca na noção de livre-arbítrio. Para o teólogo medieval o mal é uma carência, e tem sua raiz na liberdade humana.

Ainda na Idade Média uma outra tradição ética se desenvolve, sendo conhecida por voluntarismo moral. Nesta concepção, a qual se encontra na contramão do sistema intelectualista, o homem pode conhecer o verdadeiro e escolher fazer o contrário, precisamente porque é dotado de livre-arbítrio. Assim, é necessário não apenas conhecer a Lei (ou o próprio Deus), mas também ama-lo incondicionalmente. Santo Agostinho se encontra entre aqueles que afirmavam que apenas o conhecimento não é suficiente ao homem.

Na superação da Idade Média, a partir de René Descartes, a filosofia centra-se no sujeito, no indivíduo, na consciência, a partir dos quais toda a realidade é determinada. Nesta esteira vem também Kant, que inaugural uma ética calcada na ideia de vontade aprioristica. Sua proposta é construir uma ética autônoma, em contraposição à heterônoma (quando a norma objetiva obriga o sujeito ético de fora para dentro).

Para Kant o Bem não reside fora da vontade, mas é ela mesma, enquanto vontade boa, sendo a vontade a faculdade de se determiner a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, o que só pode se dar em seres dotados de razão. Mas apesar da essência do sistema ético kantiano estar situado na vontade, ele não pode ser considerado como mero voluntarismo, visto que a vontade deve ser conduzida pela razão. 

A ética kantiana é chamada de deontológica pois tenta excluir a norma objetiva de exterioridade da razão e tenta traze-la para dentro de cada indivíduo como dever ser de sua conduta. A autonomia da vontade é vista “como uma propriedade desta, graças à qual ela é para si mesma a sua lei, independente da natureza dos objetos do querer.” Isso significa que, para Kant, o homem tem a capacidade de ser o autor de sua própria legislação, dado que tem liberdade e racionalidade. Os imperativos categóricos (tal como “age de tal forma que a maxima de tua ação possa se tornar lei universal”), contudo, não trazem conteúdo específico, e por isso tal lacuna sera pensada no período contemporâneo na forma de propostas materiais.

Para Hegel, o último grande sistematizador da história da filosofia ocidental, a consciência humana que conhece é a mesma que age, não estando separadas no ser humano as experiências teórica e ética. Para o maior representante do idealismo alemão, conhecer é tornar-se cada vez mais livre, mostrando que o processo dialético experimentado pelo ser humano é para saber da sua própria liberdade, a qual engloba o teórico e o prático. A experiência ética, para Hegel, é um dos momentos da experiência da consciência na sua marcha rumo ao autodescobrir-se.

Já com Nietzsche efetua-se na filosofia ocidental uma completa crítica de todos os valores, buscando-se os próprios motivos que se encontram na base da criação dos valores. Esses motivos decorrem, antes de tudo, da vontade de poder. Para o filósofo do martelo, a moralidade é ressentimento: é a força reativa dos fracos para dominar, através do discurso da moralidade, a força criativa dos fortes. Por isso, como procedimento de suspeita às bases da filosofia tradicional, Nietzsche propõe a inversão absoluta de todos os valores construídos pela razão.

O filósofo alemão Max Scheller é quem mais se destacou na tentative de formular uma ética material após Kant. Em sua ética de valores é proposto um apriorismo moral material, o que impossibilita o estabelecimento de regras efetivas do agir dentro de imperativos vazios e abstratos (legados pela ética formal kantiana). Scheller hierarquiza várias classes de valores, que devem se distinguir dos bens, visto que bens são coisas (fatos) que tem valor.  A ética de valores de Scheller se diz material pois as matérias sobre as quais versa são conteúdos, são essências, ou seja, valores.

Já no periodo contemporâneo merece destaque as formulações de Max Weber. Para o sociólogo alemão há que se diferenciar as ações políticas e as ações individuais, pois são dois os tipos de fundamentação ética que distinguem as boas e as más ações dos atores politicos: a de natureza pré-estabelecida (como os Dez Mandamentos) e a do tipo que visa a resultados (a educação do maior número possível de pessoas, por exemplo). A primeira é chamada de ética de convicção, e a segunda, de ética de fins, a qual dá legitimidade à ética de responsabilidade, considerada por ele como a ética própria e adequada à política, pois é pautada no princípio da racionalidade segundo o fim.

Outra importante contribuição é a do filósofo Jürgen Habermas, que trabalhou na ética do discurso ou da discussão. Este sistema ético pretende susbtituir o primado da razão prática pela razão comunicativa, pressupondo um medium linguístico, por meio do qual as interações sociais se interligam, possibilitando e limitando a compreensão e a ação dos indivíduos no tempo. O fim de tais interações é o consenso de um discurso que possa ser validado racionalmente. Mas para tal são necessárias três condições ideais: que sejam estabelecidas regras de consistência semântica; que se estabeleçam organizacionais da conversação; e que seja garantida a participação livre e igual de todos.

O trabalho do filósofo mineiro Henrique Cláudio de Lima Vaz também vale a pena mencionar. Sua ética clássica-dialetizada se estrutura em tríades expressivas dos desdobramentos da razão prática, que encontra seu termo no ato da consciência moral.Os momentos da experiência ética do indivíduo são o momento subjetivo, o intersubjetivo e o objetivo do agir moral. O sistema ético de Lima Vaz retoma, em vários aspectos, o modelo legado por Hegel.

* Glauber Ataide

* Este texto é uma resenha da obra Prolegômenos à Ética Ocidental, de Mariá Brochado

Fonte: https://www.filosofiaepsicanalise.org/