“O que é isso na tua mão?”


Moisés foi atraído por uma luz em cima do monte e subiu para ver o que era. Chegando lá, deparou-se com um arbusto em fogo. Ora, nada mais comum no deserto do que um arbusto em fogo – afinal, o calor excruciante do sol nos galhos secos das poucas plantas muitas vezes causa incêndios.

Então por que toda a curiosidade? Por que todo o esforço de escalar as rochas escarpadas do monte só para ver um foguinho?
Porque Moisés estava insatisfeito. Sentia-se excluído, inútil, frustrado. Ninguém vai atrás de fogos no alto de montes difíceis de escalar a não ser quem esteja cansado das ovelhas da planície.

Veja bem – Moisés era um fracassado: fugitivo da lei, ex-arruaceiro, ex-revolucionário, e também ex tudo o que um homem passa a vida toda tentando ser. Moisés era um “já era” de meia idade.

Ele havia sido filho adotivo do faraó do Egito, o país mais importante da época. Talvez chegasse a faraó algum dia. Mas, graças ao seu temperamento esquentado, precisou fugir ao invés de ajudar o povo que tanto precisava de seu auxílio. Agora o resultado era aquele: um bando de ovelhas, ao invés de um povo. E apenas um cajado em suas mãos, ao invés de um cetro.
Então Moisés subiu ao monte e foi ver que fogo era aquele, deixando atrás de si as ovelhas. Ao chegar lá em cima, deparou-se com algo estranho: o fogo queimava, mas não destruía o arbusto. Aproximou-se, curioso – talvez até mesmo com o cajado pronto para cutucar o arbusto e ver o que era aquilo. E foi então que viu um vulto, e uma voz lhe disse do meio das chamas: “Moisés!”

Fosse ele nascido nos nossos últimos três séculos, o pensamento que cruzaria sua mente seria: “Estou ficando louco! Estou ouvindo vozes e vendo coisas neste monte deserto – o sol me afetou os miolos! Ou talvez eu seja esquizofrênico!” E talvez tivesse descido rapidinho, e o mundo nunca seria o que é hoje.

Pois Moisés não desceu. Naquela época, ver e ouvir dos Céus ou dos Infernos ainda era considerado como possível. Hoje em dia, se alguém diz “D´us falou comigo”, ou é religioso fanático, ou esquizofrênico, ou mentiroso. Pergunto-me se os Céus e os Infernos realmente se calaram, ou se foi o homem quem ficou surdo, abrindo as portas para todo trambiqueiro e doente mental usar o nome de D´us ou do Diabo em vão.

Voltando à história: Moisés estava lá, ajoelhado ou não, olhando aquele arbusto em fogo, cajado na mão e provavelmente a boca aberta de surpresa. Foi então que a voz falou outra vez: “Moisés, tira as tuas sandálias, porque o terreno em que pisas é santo.”

Ele tirou. Não só tirou, mas parece que se ajoelhou. Ou isto, ou todos os artistas que pintaram a cena estão redondamente enganados. Seja como for, a voz então lhe disse que ele fora escolhido para libertar o povo cativo do Egito. “O quê? Agora que eu perdi tudo? Agora que sou um zé ninguém?”

“Eu vou contigo”, lhe disse a figura, e lhe explicou direitinho o que deveria fazer.
Mas Moisés estava inseguro, e começou a fazer toda uma lista de suas impossibilidades, fraquezas e empecilhos. Foi aí que a figura cortou sua ladainha apenas com uma pergunta: “Moisés, O QUE É ISSO NA TUA MÃO?”

Moisés deve ter baixado os olhos para aquele cajado rústico que usava para dirigir ovelhas. Deve ter ficado meio atônito. “É meu cajado...” E foi então que os Céus provaram a Moisés o poder de um cajado.

Veja bem: o poder de um homem não está na arma que tem na mão, mas na mão que segura a arma. Coloque uma pistola na mão do homem justo, e ele a utilizará para defender a justiça, a honra, a dignidade – sua ou de alguém mais. Coloque-a na mão do marginal, e ele a utilizará para oprimir, usurpar, conquistar. Quer dizer, para conseguir tudo aquilo que não conseguiu com sua própria capacidade.

Não se deixe enganar: aquele a quem você chama de poderoso na verdade não é poderoso. Seu assim-chamado poder está todo na força da arma que empunha, e não nele próprio. Tire-a de sua mão, e ele é apenas um incapaz pusilânime, que falhou em tudo até conseguir transformar o ínfimo cajado que lhe coube em uma arma que lhe permita atingir seus próprios fins.
Coloque uma arma na mão do justo, e ele a transformará em um cajado para manter a ordem, a justiça, a honra.

Veja bem: há dois tipos de energias propulsoras em nossa realidade: a força e o poder. O poder é inerente a tudo o que foi criado – as águas, o fogo proveniente do sol ou do centro da terra, o vento, a germinação da terra.

A força, por sua vez, é o que possui todo ser vivo, o que lhe é inerente, e que lhe permite conquistar um lugar sob o sol, sobre a terra, frente às águas e contra o vento. É a força que leva o homem a conquistar, a levantar-se e seguir adiante, a descobrir os porquês e os comos do Universo, a criar, a defender seus direitos.

E cabe a cada homem, sem ajuda alguma, escolher se vai viver a vida apoiado na espada do poder, ou na espada da força.
Voltando à história, Moisés tinha em suas mãos apenas um cajado com que conduzia as ovelhas. Ele, que havia empunhado o cetro do Egito! E agora? Como lutar contra o cetro do faraó com apenas um rude cajado na mão?
E foi então que a figura do fogo explicou a Moisés, e a todas as gerações que se seguiram, o que muitas civilizações, mais antigas, já sabiam: não importa o instrumento de força que lhe cai na mão. O que importa é que sua mão seja conduzida pelo maior poder que há no Universo.

Porque reinos surgem e caem; riquezas vêm e vão, crenças nascem e desaparecem, deuses e demônios – sorte e azar – sobem e descem. Mas o espírito indômito cujas partículas estão no interior do homem, aquela parte que cria, constrói, molda, dá cor e som, cura, abre caminhos e derruba muros – esta permanece para sempre.

Portanto, amigo ou amiga, não pergunte qual é a força do inimigo que o oprime. Veja o que você tem em sua mão. Seja caneta ou pincel, calculadora ou cinzel, bisturi ou chave-de-fenda – confie no poder que lhe move a mão. Ele é maior que seu instrumento de ofício. Ele pode transformar sua caneta, seu pincel, sua calculadora, seu cinzel, seu bisturi, sua chave-de-fenda – em uma poderosa espada para mudar todo um mundo ao seu redor.

Quando você, médica de um pronto-socorro da periferia, levanta o estetoscópio ao peito esquálido de um homem cansado, você está levantando uma arma que possui um poder maior que todas as bombas dos fortes. Eles destroem. Você cura.
Quando você, mãe cansada e sobrecarregada, empunha com um braço a colher para mexer a panela no fogão, enquanto sacode com o outro braço o bebê com cólica, você está embalando e alimentando o futuro inteiro do mundo. Você nunca saberá quais atos de grandeza fará esse seu bebê.

Quando você, estudante noturno, mal pago trabalhador diurno, debruça-se sobre os livros em um ônibus lotado, você está cumprindo um papel maior na história do que todos os iludidos que lançam bombas para aterrorizar nações.
Quando você, trôpego e desiludido aposentado, senta-se para puxar conversa com o garoto mal encarado que lhe parece estar precisando de um amigo, você está criando mais confiança no ser humano que toda a importante psicologia que entulha os livros empoeirados das livrarias.

Quando você, pedreiro, junta cimento e areia para construir chãos e tetos, você está construindo algo mais verdadeiro que todas as teorias vazias de políticos e ditadores. Eles amontoam para si mesmos – você constrói para o futuro de alguém.
Então pare tudo, amigo que se sente frustrado com a situação do país, do mundo, do Universo. Pare tudo e suba o monte até onde queima aquela parte de seu espírito que quer encontrar uma maneira de fazer algo a respeito. E então baixe os olhos, e observe atentamente “o que é isso na tua mão”.

E, seja o que for, coloque todo o poder de seu espírito no seu instrumento. Ele é o seu cajado de Moisés.

Dalva Agne Lynch - Poeta, contista, cronista e mãe.