O show da vida em cada sinal de trânsito

Durante meus deslocamentos pela cidade onde resido, algo vem chamando minha atenção cada vez mais: a quantidade de gente nos sinais de trânsito tentando sobreviver. Há dias que fecho os vidros e resolvo somente observar. Outras vezes a consciência me dói. Algo me diz que não posso ficar insensível e me compadeço dessa gente que procura ganhar seu sustento na dura batalha das ruas. Quando chego em casa recolho uma quantidade imensa de papéis que oferecem carros, apartamentos, viagens nacionais e internacionais, serviços de detetives particulares e até garotas de programa. Além dos papéis, vemos gente vendendo de tudo: frutas, guarda-chuvas, discos piratas, flores, limpador de para-brisas, refrigerantes, suco de frutas, bronzeadores e as mais diversas quinquilharias. Sempre acabo comprando algo, é inevitável, mas ao tentar ser solidário com os vendedores tenho a desagradável sensação de que isto faz mais bem para mim do que para eles…

Quando estendo o dinheiro, parece que estou pagando o preço por viver uma vida que considero normal, pois não sofro com a fome e tenho um teto para dormir… Não posso esquecer também dos que nada vendem, apenas pedem. Tem gente com criança nos braços para tentar comover os mais insensíveis, outros com as mais diversas deformações, que parecem nos dizer que, quando Deus nos botou no mundo com saúde, ele tinha algo em mente, não foi à toa que fomos escolhidos. Existem também os que cantam, dançam, engolem fogo, equilibram bolas, pratos, tudo isso em menos de um minuto, antes que o sinal abra e interrompa o “espetáculo”… Sinto-me constrangido, olho aquela gente fazendo de tudo para ganhar uma moeda, é difícil negar. No entanto, existem dias que me revolto e me pergunto por que motivo um país rico como o nosso precisa ser tão desigual, precisa ser tão desumano.

Existem dias que passo por uma avenida que é atravessada por diversas pontes de um rio canalizado. Embaixo das mesmas habitam moradores de rua. Numa cidade com um inverno rigoroso, eles fazem suas moradias com tudo que é tipo de material para não morrer de frio. Quando amanhece saem das “tocas” com aparência triste, parecem ratos de esgoto, surgem de repente, com roupas velhas, sem calor. Atacam pedindo ajuda num tom decadente e melancólico. Estão tentando tirá-los dali. Uma rádio entrevistou um deles perguntando qual era a opinião que eles tinham sobre a saída. Com a sinceridade dos que nada têm, responderam em tom professoral: A gente “cata” outro lugar…

Houve um dia que tive a certeza de que estamos chegando num ponto insustentável e perigoso. Parei o carro no sinal e “um deles” aproximou-se - um dos “despossuídos”, como dizia aquele presidente cassado que agora voltou como senador… O cara me olhou e pediu uma ajuda. Achei que já tinha dado o meu quinhão, que aquele dia não deveria doar mais nada para ninguém - neguei. O pedinte me olhou com ressentimento e ódio nos olhos e disse: O que é isso cara? Com esse carrão (na opinião dele) bacana e me diz que não tem dinheiro… É claro que não dei. Não poderia me dobrar a nenhum tipo de ultimato ou extorsão, pois penso como muitos brasileiros, que não tenho culpa do que está acontecendo. Pago meus impostos, ajudo quando possível, mas não posso assumir algo que cabe a quem dirige esse país.

As mazelas estão aí, juntamente com os escândalos que os noticiários de televisão não nos deixam esquecer. Os mensaleiros, as gangues de todo tipo, gente que nos mostra que o Brasil tem muitos recursos. Precisamos achar um jeito deles serem usados de maneira correta, pois a cada dia que passa cada vez mais me convenço de que, como disse alguém, nossas elites, como as francesas antes da Revolução, precisam se cercar de miseráveis para se assegurar de suas próprias riquezas… Chega, está ficando insuportável!

Amém!

Autor

Valacir Marques da Silva

É Agente de Polícia Federal aposentado.